quarta-feira, março 18, 2015

A propósito da "Lista VIP" na AT

A propósito do que está a acontecer na Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a chamada "Lista VIP" e que já levou à demissão do Diretor Geral da AT, fico espantado com as leituras que se estão a fazer sobre factos que mal se conhecem. Salvaguardando o meu desconhecimento sobre os factos em concreto, vejamos uma perspetiva estritamente técnica e gestionária que parece estar ausente dos comentadores.
Em qualquer sistema de informação bem construído, todos os acessos devem poder ser objecto de auditoria, tanto em relação ao controlo de quem acede como à utilização que é dada à aplicação. Chama-se a isto "audit trail" ou "audit log".
A consulta ao cadastro ou à conta corrente de contribuinte por parte de funcionários autorizados dos impostos, que são muitos milhares, faz parte do dia a dia do fisco.
Perante a suspeita de que existem indícios de acessos para finalidades não decorrentes da normal gestão tributária e que ultrapassam o sigilo fiscal a que todos os funcionários estão obrigados, haveria duas atitudes possíveis:
Atitude reativa e convencional:
Atuar sempre e apenas em resposta a queixas ou denuncias explícitas detetando somente neste casos ("just in case") os responsáveis através de auditoria ad hoc aos logs registados na aplicação, ficando de fora muitas atuações incorretas que passariam totalmente despercebidas e impunes;
Atitude proativa e em tempo real (que parece ter acontecido):
Sinalização de um número reduzido de "contribuintes sensíveis" (Presidente da República, Membros do Governo, deputados ou outros "notáveis" alvo da curiosidade mediática), criando-se através desta lista "sensores" capazes de alertar em tempo real os acessos, que em condições normais não deverão ser muitos, desencorajando e eventualmente punindo deste modo as quebras de sigilo induzidas pela pressão mediática ou pela luta política.
Julgo que, ao contrário do que vem sendo dito, tratar-se-ia de uma medida de eficiência na segurança e auditoria dos sistemas fiscais, dentro da linha de automação (nalguns casos excessiva) a que o fisco tem sido sujeito nos últimos vinte anos ou mais. 
Mais uma vez estamos perante a urgência de dar poder ao cidadão para aceder aos seus dados, transformando-se ele próprio em "VIP" para que não existam as pequenas ou grandes represálias por parte de funcionários capazes de abusar do seu poder sobre a informação que diz respeito a cada um de nós, seja ela no fisco ou em qualquer outro sistema da administração pública. É mais uma vez o meu grito em favor do "CITIZENWARE"!
Sem dúvida os impostos estão anos luz à frente no rigor e na eficiência dos seus sistemas de informação e o país tem beneficiado disso nestes anos de crise.
Não podemos jamais regredir para o tempo em que o "poder sobre os papéis" permitia toda a discricionariedade e abuso de poder. Estamos cada vez mais na era do "poder sobre os fluxos" verdadeiramente auditáveis.
Era bom que existissem sistemas tão blindados e auditáveis como os do fisco nos sistemas dos Tribunais e noutros sistemas críticos igualmente permeáveis à quebra de sigilo.
Os políticos e os jornalistas deveriam fazer um exame de consciência e assumir que são eles próprios os verdadeiros causadores da quebra de sigilo e da criação de um verdadeiro "mercado" de fugas de informação, para aumentar as audiências e as lutas partidárias.