quinta-feira, maio 16, 2013

"Funcionários públicos" e os "outros"...

É curioso ver os atuais e ex-funcionários do Banco de Portugal que nos estão e estiveram a governar nos últimos 30 anos, fazerem tudo para se distanciarem e se descartarem dos "funcionários públicos", quando eles próprios são ou foram de facto "trabalhadores em funções públicas", cuja competência decorre de uma atuação delegada em nome do Estado.
O problema é que, em vez de reguladores, preferem confundir-se com os "bancários" e até mesmo com os "banqueiros" que deveriam regular. Invocam o estatuto de "regulador independente" para se auto-regularem a sí próprios na fixação de remunerações, mordomias e fundos de pensões milionários.
Muitos destes benefícios deveriam constituir receitas do Estado, pois estas entidades atuam em seu nome. É como se os funcionários dos impostos se apropriassem das cobranças efectuadas.
O actual Secretário de Estado da Administração Pública Helder Rosalino era, antes de entrar para o Governo, responsável pela gestão dos recursos humanos do Banco de Portugal, a quem a "convergência das pensões" parece não se aplicar!?... É também curioso que Manuela Ferreira Leite, que pertenceu ao Gabinete de Estudos do Banco de Portugal, tenha afirmado há uns dias atrás na televisão que “felizmente” nunca foi funcionária pública.
Como é óbvio este paradoxo aplica-se a todas as entidades reguladoras e aos órgãos de soberania do Estado que invocam o seu estatuto de “independência” para se auto-regularem a si próprios, como é o caso da Assembleia da República, que, de um dia para o outro, os seus antigos "funcionários públicos" dobraram o seu salário, por se passarem a chamar "funcionários parlamentares".
As “autonomias”, que se foram acentuando desde há 30 anos (agências, autoridades, institutos, etc.) , apenas serviram para se criarem ilhas auto-reguladas de agravamento da despesa pública. Foram exatamente essas “autonomias” que, por gratidão e troca de favores, acabaram por ser as entidades mais instrumentalizadas pelo poder político e mais capturadas pelos regulados.

Tecnologias, políticas de emprego e sustentabilidade do Estado Social E urgente abrir a “Caixa de Pandora”!

A promoção de empregos pagos continua a ser considerada a base do bem-estar social e uma condição indispensável para se atingir uma sociedade inclusiva. A procura do aumento de eficiência nos processos e de aumento da produtividade cria uma aparente contradição e um conflito potencial entre a introdução de tecnologias e as políticas de emprego e de sustentabilidade do Estado Social
Supostamente todos os postos de trabalho baseados em tarefas em que tendencialmente as máquinas têm um melhor desempenho, estão condenados ao desaparecimento, criando um novo desafio às políticas de emprego e uma necessidade de requalificação de competências e reorientação das atitudes mais dirigidas à intermediação entre os serviços electrónicos e as pessoas mais excluídas do acesso aos benefícios da sociedade da informação.
Sabemos que as tecnologias, e em particular as tecnologias da informação e comunicação, conduzem a uma segregação progressiva de tarefas entre máquinas e pessoas, nomeadamente cabendo às máquinas desempenhar tarefas como procurar, recolher, copiar, comparar, calcular, ordenar, medir, verificar, armazenar, etc., enquanto as pessoas devem ser libertas para inovar, sonhar, criar, comunicar, dar afecto, decidir, etc.
A inovação tecnológica está permanentemente em busca de tarefas tradicionalmente desempenhadas pelas pessoas, que são melhor desempenhadas por máquinas e os empregos correspondentes acabam mais tarde ou mais cedo por desaparecer. No caso do Estado, a grande maioria das tarefas ainda tem um grande potencial de automação, como é o caso de um cem número de certidões e comprovantes que passam a ser garantidas por trocas electrónicas em tempo real, descartando postos de trabalho mais mecanizáveis e rotineiros, em favor do aumento da produtividade e do exercício de novas funções de intermediação humana e de apoio à cidadania, enquanto não for possível uma diminuição mais significativa dos recursos humanos. Atualmente, grande parte das tarefas rotineiras do Estado, nomeadamente no atendimento, impedem que se tenha disponibilidade para um relacionamento humano com os cidadãos e agentes económicos, acentuando-se a discriminação no acesso aos serviços públicos.
O trabalho humano, enquanto energia e músculo, desde há muito que deixou de ser o factor mais importante na criação da riqueza. A intangibilidade dos serviços, a automação dos processos produtivos e a utilização generalizada das TIC por parte dos novos trabalhadores do conhecimento, passaram a ser motivos indutores de valorização ou desvalorização do factor trabalho, reduzindo-se drasticamente o número de oportunidades de emprego para aqueles que concorrem globalmente em postos de trabalho baseados na energia, no músculo e em competências de baixo valor acrescentado, ao mesmo tempo que abrem novas oportunidades e novos desafios profissionais.
Os processos de produção aceleraram-se tremendamente com a Sociedade da Informação e a acumulação de mais-valias aumentou exponencialmente e passou a concentrar-se em menos pessoas, agravando as desigualdades sociais, sem contribuir na mesma proporção para a sustentabilidade das despesas públicas.
Nos últimos anos têm-se acentuado as desigualdades na distribuição dos rendimentos em todo o mundo, onde 82,7% dos rendimentos estão concentrados apenas num quinto da população. Para isso tem contribuído a aceleração do desenvolvimento tecnológico e particularmente a incorporação das tecnologias de informação e comunicação nos processos de trabalho.
São exatamente os serviços que incorporaram tecnologia intensiva, como as telecomunicações, a banca, as seguradoras e a energia que têm beneficiado e acumulado as mais valias que resultam da substituição de pessoas por máquinas, acumulando benefícios e devolvendo rendimentos avultados aos seus acionistas ao mesmo tempo que vão desgastando o Estado Social e a sua sustentabilidade, sob o olhar passivo das políticas públicas.
Parece que ninguém questiona hoje o velho sistema contributivo para a Segurança Social do séc. XIX, ensaiado na Comuna de Paris em 1871 e mais tarde instituído na Alemanha por Bismark, através da promulgação dos primeiros seguros sociais obrigatórios em 1883, numa altura em que o contributo das tecnologias para a criação do valor era insignificante comparativamente com o elevado contributo do fator trabalho para a criação de riqueza. Hoje já não estamos numa economia baseada em mão de obra intensiva, mas numa economia intensamente tecnológica que nos obriga a alterar as regras do jogo.
Os políticos tardam a reconhecer e não vão tendo imaginação suficiente para encontrar novas formas de financiamento alternativas à força de trabalho, capazes de suportar o Estado Social. Nos últimos trinta anos, os estados europeus e americanos estão a estudar sistemas alternativos de sustentabilidade do welfare state mas não têm conseguido sair do ciclo vicioso da desvalorização do fator trabalho. Por isso é urgente abrir a “Caixa de Pandora” e criar um novo espaço de reflexão sobre os contributos das tecnologias para a competitividade, crescimento e emprego no curto e longo prazo e travar a tendência de aprofundamento das desigualdades sociais que paradoxalmente acabam por resultar da sua crescente utilização.
É certo que todos queremos beneficiar de mais tempo livre e melhor qualidade de vida, porque as tecnologias progressivamente vão ocupando os nossos lugares, mas esse tempo de desocupação não pode ser convertido em mais desemprego e mais miséria para a sociedade, devendo dar origem a novas atividades capazes de gerar riqueza e bem-estar social. Por isso as mais valias atualmente geradas pelas tecnologias deverão contribuir para a Segurança Social em muito maior proporção do que o fator trabalho, particularmente nas atividades onde o fator trabalho deu lugar a uma acentuada mecanização, acumulando a riqueza e as desigualdades sociais. O aumento da produtividade alcança-se com novos instrumentos de trabalho, mas a economia funciona não apenas com produtividade mas sobretudo através de uma justa repartição da riqueza.