quarta-feira, fevereiro 06, 2013

É preciso dar novo rumo à Reforma do Estado

Nem sempre algumas das apregoadas boas práticas de reforma do Estado dos últimos anos deram bons resultados. Vejamos porque é que os valores que resultaram da implementação do SIADAP, do PRACE e dos Serviços Partilhados, que muitos continuam a aplaudir sem questionar, impedem a modernização do Estado e a redução da despesa pública.
Nos últimos anos assistiu-se ao fechamento e ao culto do individualismo decorrentes do modo de implementação do sistema de avaliação de recursos humanos (SIADAP), o qual, em vez de estimular a cooperação e o sentimento de pertença a processos interdepartamentais, criou uma competição e uma fragmentação excessiva das pessoas e dos organismos que compõem o sector público, impedindo sinergias e bloqueando a fluidez dos processos que se pretendiam mais rápidos, mais baratos e mais orientados às necessidades dos cidadãos e agentes económicos.
O preconceito de que o sector privado é melhor que o sector público e de que a boa gestão é incompatível com o bom cumprimento da lei (semelhante à água que não se mistura com o azeite), sustentou sobretudo a partir do PRACE a criação de autonomias de conveniência, traduzidas na multiplicação de novos organismos da administração indireta do Estado, que faz de conta que funciona como o sector privado, com maior liberdade de recrutamento e de fuga ao cumprimento da lei (agências, fundações, empresas e institutos públicos). Ao mesmo tempo, encostou-se e desvalorizou-se cinicamente a administração direta do Estado, esperando-se que o tempo faça desvanecer as “velhas” direções gerais. Recrutaram-se legiões de consultores ad hoc para transporem receitas do sector privado para uma cultura do sector público que não conheciam de todo e somaram-se estruturas aparentemente mais “modernas” às já existentes, numa espiral de despesa pública e de alimentação de novas liturgias de poder, numa tentativa desesperada de diferenciar as novas estruturas de “excelência” das velhas estruturas “burocráticas” tentando enclausurá-las em autênticos guetos indesejados e estigmatizados.
Os serviços partilhados na administração pública portuguesa seguiram esta mesma tendência e tiveram a originalidade de, em vez de reaproveitar e reutilizar recursos humanos existentes, recrutaram e somaram à administração pública tradicional mais recursos novos e dispendiosos.
Esta prática de fazer de novo e ao lado numa lógica despesista e incremental, em vez de se optar por transformar, qualificar e mobilizar as estruturas que existem, parece estar ainda na cabeça de muitos dos atuais protagonistas da Reforma do Estado, que continuam a pensar mais nas estruturas e no custo dos salários do que nas atitudes e nos comportamentos das pessoas e na modernização e automatização de processos. Todos sabemos que ainda existe muita gordura e desperdício à espera de uma intervenção efetiva com recurso às tecnologias de informação e comunicação, mas esta via parece não estar ainda na preocupação dos atuais governantes e aprendizes de feiticeiro feitos à pressa.
Por isso, é preciso dar novo rumo à Reforma do Estado.

Vejamos mais especificamente os casos do SIADAP e das autonomias de gestão:

Quanto ao SIADAP, não questiono o modelo do ponto de vista teórico, pois eu próprio promovi em finais dos anos 70, no recém criado Instituto de Informática, um sistema de avaliação verdadeiramente seletivo e sujeito a quotas com base na curva de Gauss, que infelizmente não resistiu ao ambiente externo.
Apenas constato a forma como foi implementado, mais uma vez como uma transposição cega e apressada de um modelo privado sem acautelar uma cultura de objetivos e de gestão de atividades e projetos dentro da administração pública.
Ao se lançar uma avaliação centrada quase exclusivamente no comportamento individual, numa cultura burocrática de cumprimento estrito de regras e formalidades, criou-se um fechamento em círculos de competências auto-protegidos e demarcados contra os colegas “concorrentes” quase sempre com a cumplicidade das respetivas chefias diretas enclausuradas nos seus castelos.
Tudo o que se desejaria neste momento na administração pública seria a abertura e a cooperação em torno da satisfação das necessidades dos cidadãos e agentes económicos. Deveríamos olhar mais para a sociedade do que para os limites artificiais das nossas tarefas, mas em vez disso alimentaram-se silos de competências e fragmentaram-se os processo transversais.

 Também não questiono e muito pelo contrário sou um grande apoiante da maior autonomia dos organismos e correspondentemente da sua maior responsabilização, assim como da atuação mais atempada dos organismos de controlo, baseada em sistemas de informação de reporte just in time. Apenas discordo profundamente da criação de paraísos orçamentais para tornear os excessivos constrangimentos legais (castrantes e desresponsabilizastes) impostos sobretudo à administração direta do Estado, deixando à rédea solta a administração indireta do Estado. Se a legislação e os atuais procedimentos são irracionais e bloqueadores, existe muito papel e lápis para alterar a legislação em vez de se continuar a cavar o fosso entre a chamada “boa” e “má” administração.