quarta-feira, julho 03, 2013

Por um novo modelo de Reforma do Estado em tempo de crise!

Portugal está a viver uma crise financeira, económica e política particularmente grave e consequentemente o Estado está a ser o alvo de medidas de racionalidade duvidosa, com impacto na vida de toda a sociedade.
É urgente definir prioridades e mobilizar toda a sociedade civil, os trabalhadores da administração pública e toda a classe política para o que deve ser feito no que se refere a uma efetiva reforma do Estado.
A ESTRATÉGIA ATUAL DE REFORMA:
O Governo atual entendeu a reforma como uma forma de reduzir a despesa pública no mais curto espaço de tempo possível, através do despedimento de trabalhadores e cortes abruptos nos salários e pensões. Mas será que este modelo de reforma será alguma vez possível?
Julgamos que não e, mais do que inconsequente, esta estratégia estritamente financeira corre o risco de destruir, não apenas o aparelho do Estado, mas também a economia e a coesão social do país.
Existem vários focos de intervenção reformadora: O emprego e a duração do trabalho, os salários e os benefícios sociais, as estruturas e o funcionamento.
O XIX Governo reduziu salários e benefícios sociais e propõe-se acelerar os despedimentos na função pública, com efeitos irreversíveis na quebra do consumo e na economia. Mas mais do que os impactos no curto prazo na economia, esta estratégia inviabiliza qualquer estratégia verdadeiramente transformadora em relação ao funcionamento e ao alinhamento das estruturas para novos desafios orientados ao crescimento e ao desenvolvimento do país.
Esta estratégia de agressão e desrespeito aos funcionários e trabalhadores em funções públicas cria um ambiente de medo generalizado e de desmobilização em relação ao futuro, paralisando estruturas e processos de transformação e cria na sociedade um sentimento de desconfiança e insegurança em relação a tudo o que se refere ao Estado.
Um país é definido por uma população, por um território e por uma soberania. A população está cada vez mais dividida (novos contra velhos, privados contra públicos, etc.) e a soberania está cada vez mais desgastada, não só pela intervenção externa mas sobretudo pelo descrédito e a desvalorização a que o Estado está a ser sujeito por parte da classe política e consequentemente pela maioria da sociedade portuguesa.
Com efeito, os serviços públicos estão em risco e consequentemente a situação do país vai-se agravar se este ou qualquer outro Governo continuar a insistir na atual estratégia de despedimentos e desqualificação do Estado.
Um Estado destruído, desmotivado e ineficiente torna-se motivo de atração para vigaristas e criminosos, pois um país onde o Estado não funciona e onde a soberania está desgastada, torna-se um paraíso para todo o tipo de fugas à lei.
Se houver ruptura de serviços públicos porque despedimos pessoas antes de mudarmos os processos, o desespero irá conduzir-nos à inevitabilidade de custos acrescidos para remediar situações de crise e ruptura iminente.
QUAL A ALTERNATIVA PARA O FUTURO PRÓXIMO?
Temos que nos concentrar TODOS no funcionamento e no aumento da produtividade do Estado. Temos que fazer um grande esforço de mobilização coletiva para acabar definitivamente com as verdadeiras “gorduras”, irracionalidades e arbitrariedades no funcionamento do Estado. Temos que nos mobilizar TODOS de forma cooperativa e empenhada para construir um o Estado mais moderno, eficiente e amigo dos cidadãos e dos agentes económicos.
Temos de tirar o máximo partido das tecnologias de informação e comunicação de que dispomos e fazer delas o centro do modelo de desenvolvimento do país.
Temos de acabar com as redundâncias, a desintegração, as incoerências, as incompatibilidades, os conflitos de poder e os desperdícios que são a verdadeira causa do aumento da despesa pública. Em vez disso temos que apostar com determinação na interoperabilidade, na partilha, na reutilização, na transparência, na rapidez e no rigor.
Temos que tirar partido das excelentes infraestruturas tecnológicas de que Portugal já dispõe, nomeadamente as plataformas de interoperabilidade, a federação de identidades através do Cartão do Cidadão, a partilha de repositórios sobre pessoas, empresas, território, veículos, entre outros, acabando com certidões e comprovantes inúteis e substituindo-as por troca automática de web services entre os vários sistemas do Estado.
Temos de nos focar no encadeamento, na aceleração e na sincronização dos processos orientados aos vários públicos e aos seus eventos de vida, criando uma verdadeira administração pública “em tempo real”.
Temos de nos ver livres de dirigentes e políticos que se recusem a cooperar, a partilhar e a integrar cadeias de valor para a melhoria do funcionamento do Estado e que por isso impedem o desenvolvimento do país. É urgente concentrarmo-nos naquilo que é essencial e básico e descartarmo-nos de tudo e todos que bloqueiem esta transformação.
“Em tempo de crise é um crime não cooperar”!

quarta-feira, junho 19, 2013

Abutres e sanguessugas em tempo de crise - Um alerta para fiadores!

Desde sempre proliferaram profissões e atividades que viviam da complexidade e da falta de transparência dos processos da administração pública, como é o caso dos solicitadores, advogados, sociedades gestoras de investimentos, etc., que exploram e alimentam esta intermediação, ao abrigo de uma legislação, ela própria na sua maioria produzida pelos lobbies interessados junto do Governo e da Assembleia da República.
Mas na atual conjuntura de crise económica, estamos a assistir a uma verdadeira espiral de “oportunismo procedimental” em que os criminosos conseguem escapar e quem é justo e tem o infortúnio de se ver enredado em processos Kafkianos, acaba quase sempre por pagar a dívida com despesas acrescidas e de conveniência para muitos agentes de justiça intermediários nas litigâncias.
Vejamos o caso dos fiadores que são surpreendidos de um dia para o outro com a penhora da sua habitação, porque a pessoa fiada não cumpriu com as obrigações acordadas em contratos de arrendamento, financiamentos bancários, etc.. Nestes casos, quase sempre, quando se inicia um processo de execução ou de penhora, surge um batalhão de sanguessugas prontas a intermediar a litigância e a tirar o máximo partido da situação. Antes de mais nada os advogados sem escrúpulos da parte executora, quando farejam que há bens e dinheiro no fiador, fazem tudo para quebrar a comunicação entre as partes e evitam resolver de mútuo acordo a quitação imediata da dívida, ocultando mesmo à parte executada e aos seus advogados a intenção de abrir um processo executivo de penhora. Trata-se de uma estratégia protegida pela lei, para surpreender a outra parte e tirar o máximo benefício financeiro do fiador.
Todas as leis presumem comportamentos e neste caso presume-se que para além dos devedores, todos os seus fiadores são vigaristas e maus pagadores. Os pagamentos das despesas judiciais são antecipadamente garantidos e capturados nos vencimentos ou nas pensões dos fiadores, mais uma vez de forma coerciva e sem qualquer aviso prévio, como se os fiadores fossem responsáveis pelo crime de terem sido avalistas de um amigo ou familiar. Este processo é assegurado por solicitadores que atualmente têm acesso em nome do Estado a informação patrimonial privilegiada e cobram por esses serviços valores verdadeiramente absurdos e despropositados em relação aquele tipo de ato administrativo. A penhora das pensões é simultânea à penhora de bens e os agentes de execução são livres e têm todo o poder e capacidade de cobrança coerciva.
Se pensarmos que a maioria dos fiadores são pessoas idosas que possuem alguns bens de valor penhorável, acaba por ser mais uma agressão ao sector da sociedade mais vulnerável e desprotegido pelas leis e pelo Governo do país. Definitivamente este país não é para velhos.
Na situação atual da economia, as pessoas que estão atualmente mais a beneficiar com a crise e o desespero dos incumpridores, são exatamente os agentes de justiça, nomeadamente os advogados sem ética e os solicitadores que atuam em nome do Estado, contratados como se fossem verdadeiros “cobradores de fraque”. Existe uma verdadeira cumplicidade perversa entre o Estado e os agentes privados da justiça, pois alguns organismos e fundos autónomos do Ministério da Justiça, acabam por ser parte interessada nos dinheiros cobrados aos incautos, que alimentam remunerações acessórias e a autossustentação de estruturas com autonomia financeira e sede de receitas próprias.
Onde estão e como atuam os reguladores, como a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores? Será que o seu papel é apenas garantir o “negocio” dos seus associados ou será que devem zelar pelo cumprimento da sua ética profissional? Poderá ser tudo feito “ao abrigo da lei vigente”, mas há limites éticos que não podem ser ultrapassados.
Os verdadeiros vigaristas e incumpridores colocam-se quase sempre a salvo, pois um país onde a justiça não funciona e a ética não é respeitada, torna-se um paraíso para criminosos e maus investidores e um calvário para aqueles que cada vez menos estão integrados na economia formal como trabalhadores por conta de outrem ou vivendo da sua pensão.
Não admira que haja cada vez menos pessoas dispostas a serem fiadoras de pequenas transações ou negócios, o que contribui para a paralisação da economia e para o agudizar do individualismo e da desconfiança na sociedade portuguesa. A lei da selva começa a vigorar e os oportunistas estão a proliferar em todos os sectores.
Numa altura em que o Governo acabou de anunciar estímulos fiscais ao investimento, parece que o empreendedorismo para jovens passará a ser uma miragem no nosso país, pois ninguém mais irá ser fiador quando corre o risco de ser tratado como criminoso e ver os seus bens penhorados e serem alvo de assaltos por parte de sanguessugas que se aproveitam da crise para ganhar dinheiro fácil. Os jovens de hoje em Portugal estão num verdadeiro ciclo vicioso, não só não conseguem emprego porque não têm experiência, mas também não podem arrendar casa ou criar o seu próprio negócio porque no atual contexto não conseguem ter acesso a um fiador.

quinta-feira, maio 16, 2013

"Funcionários públicos" e os "outros"...

É curioso ver os atuais e ex-funcionários do Banco de Portugal que nos estão e estiveram a governar nos últimos 30 anos, fazerem tudo para se distanciarem e se descartarem dos "funcionários públicos", quando eles próprios são ou foram de facto "trabalhadores em funções públicas", cuja competência decorre de uma atuação delegada em nome do Estado.
O problema é que, em vez de reguladores, preferem confundir-se com os "bancários" e até mesmo com os "banqueiros" que deveriam regular. Invocam o estatuto de "regulador independente" para se auto-regularem a sí próprios na fixação de remunerações, mordomias e fundos de pensões milionários.
Muitos destes benefícios deveriam constituir receitas do Estado, pois estas entidades atuam em seu nome. É como se os funcionários dos impostos se apropriassem das cobranças efectuadas.
O actual Secretário de Estado da Administração Pública Helder Rosalino era, antes de entrar para o Governo, responsável pela gestão dos recursos humanos do Banco de Portugal, a quem a "convergência das pensões" parece não se aplicar!?... É também curioso que Manuela Ferreira Leite, que pertenceu ao Gabinete de Estudos do Banco de Portugal, tenha afirmado há uns dias atrás na televisão que “felizmente” nunca foi funcionária pública.
Como é óbvio este paradoxo aplica-se a todas as entidades reguladoras e aos órgãos de soberania do Estado que invocam o seu estatuto de “independência” para se auto-regularem a si próprios, como é o caso da Assembleia da República, que, de um dia para o outro, os seus antigos "funcionários públicos" dobraram o seu salário, por se passarem a chamar "funcionários parlamentares".
As “autonomias”, que se foram acentuando desde há 30 anos (agências, autoridades, institutos, etc.) , apenas serviram para se criarem ilhas auto-reguladas de agravamento da despesa pública. Foram exatamente essas “autonomias” que, por gratidão e troca de favores, acabaram por ser as entidades mais instrumentalizadas pelo poder político e mais capturadas pelos regulados.

Tecnologias, políticas de emprego e sustentabilidade do Estado Social E urgente abrir a “Caixa de Pandora”!

A promoção de empregos pagos continua a ser considerada a base do bem-estar social e uma condição indispensável para se atingir uma sociedade inclusiva. A procura do aumento de eficiência nos processos e de aumento da produtividade cria uma aparente contradição e um conflito potencial entre a introdução de tecnologias e as políticas de emprego e de sustentabilidade do Estado Social
Supostamente todos os postos de trabalho baseados em tarefas em que tendencialmente as máquinas têm um melhor desempenho, estão condenados ao desaparecimento, criando um novo desafio às políticas de emprego e uma necessidade de requalificação de competências e reorientação das atitudes mais dirigidas à intermediação entre os serviços electrónicos e as pessoas mais excluídas do acesso aos benefícios da sociedade da informação.
Sabemos que as tecnologias, e em particular as tecnologias da informação e comunicação, conduzem a uma segregação progressiva de tarefas entre máquinas e pessoas, nomeadamente cabendo às máquinas desempenhar tarefas como procurar, recolher, copiar, comparar, calcular, ordenar, medir, verificar, armazenar, etc., enquanto as pessoas devem ser libertas para inovar, sonhar, criar, comunicar, dar afecto, decidir, etc.
A inovação tecnológica está permanentemente em busca de tarefas tradicionalmente desempenhadas pelas pessoas, que são melhor desempenhadas por máquinas e os empregos correspondentes acabam mais tarde ou mais cedo por desaparecer. No caso do Estado, a grande maioria das tarefas ainda tem um grande potencial de automação, como é o caso de um cem número de certidões e comprovantes que passam a ser garantidas por trocas electrónicas em tempo real, descartando postos de trabalho mais mecanizáveis e rotineiros, em favor do aumento da produtividade e do exercício de novas funções de intermediação humana e de apoio à cidadania, enquanto não for possível uma diminuição mais significativa dos recursos humanos. Atualmente, grande parte das tarefas rotineiras do Estado, nomeadamente no atendimento, impedem que se tenha disponibilidade para um relacionamento humano com os cidadãos e agentes económicos, acentuando-se a discriminação no acesso aos serviços públicos.
O trabalho humano, enquanto energia e músculo, desde há muito que deixou de ser o factor mais importante na criação da riqueza. A intangibilidade dos serviços, a automação dos processos produtivos e a utilização generalizada das TIC por parte dos novos trabalhadores do conhecimento, passaram a ser motivos indutores de valorização ou desvalorização do factor trabalho, reduzindo-se drasticamente o número de oportunidades de emprego para aqueles que concorrem globalmente em postos de trabalho baseados na energia, no músculo e em competências de baixo valor acrescentado, ao mesmo tempo que abrem novas oportunidades e novos desafios profissionais.
Os processos de produção aceleraram-se tremendamente com a Sociedade da Informação e a acumulação de mais-valias aumentou exponencialmente e passou a concentrar-se em menos pessoas, agravando as desigualdades sociais, sem contribuir na mesma proporção para a sustentabilidade das despesas públicas.
Nos últimos anos têm-se acentuado as desigualdades na distribuição dos rendimentos em todo o mundo, onde 82,7% dos rendimentos estão concentrados apenas num quinto da população. Para isso tem contribuído a aceleração do desenvolvimento tecnológico e particularmente a incorporação das tecnologias de informação e comunicação nos processos de trabalho.
São exatamente os serviços que incorporaram tecnologia intensiva, como as telecomunicações, a banca, as seguradoras e a energia que têm beneficiado e acumulado as mais valias que resultam da substituição de pessoas por máquinas, acumulando benefícios e devolvendo rendimentos avultados aos seus acionistas ao mesmo tempo que vão desgastando o Estado Social e a sua sustentabilidade, sob o olhar passivo das políticas públicas.
Parece que ninguém questiona hoje o velho sistema contributivo para a Segurança Social do séc. XIX, ensaiado na Comuna de Paris em 1871 e mais tarde instituído na Alemanha por Bismark, através da promulgação dos primeiros seguros sociais obrigatórios em 1883, numa altura em que o contributo das tecnologias para a criação do valor era insignificante comparativamente com o elevado contributo do fator trabalho para a criação de riqueza. Hoje já não estamos numa economia baseada em mão de obra intensiva, mas numa economia intensamente tecnológica que nos obriga a alterar as regras do jogo.
Os políticos tardam a reconhecer e não vão tendo imaginação suficiente para encontrar novas formas de financiamento alternativas à força de trabalho, capazes de suportar o Estado Social. Nos últimos trinta anos, os estados europeus e americanos estão a estudar sistemas alternativos de sustentabilidade do welfare state mas não têm conseguido sair do ciclo vicioso da desvalorização do fator trabalho. Por isso é urgente abrir a “Caixa de Pandora” e criar um novo espaço de reflexão sobre os contributos das tecnologias para a competitividade, crescimento e emprego no curto e longo prazo e travar a tendência de aprofundamento das desigualdades sociais que paradoxalmente acabam por resultar da sua crescente utilização.
É certo que todos queremos beneficiar de mais tempo livre e melhor qualidade de vida, porque as tecnologias progressivamente vão ocupando os nossos lugares, mas esse tempo de desocupação não pode ser convertido em mais desemprego e mais miséria para a sociedade, devendo dar origem a novas atividades capazes de gerar riqueza e bem-estar social. Por isso as mais valias atualmente geradas pelas tecnologias deverão contribuir para a Segurança Social em muito maior proporção do que o fator trabalho, particularmente nas atividades onde o fator trabalho deu lugar a uma acentuada mecanização, acumulando a riqueza e as desigualdades sociais. O aumento da produtividade alcança-se com novos instrumentos de trabalho, mas a economia funciona não apenas com produtividade mas sobretudo através de uma justa repartição da riqueza.

quarta-feira, fevereiro 06, 2013

É preciso dar novo rumo à Reforma do Estado

Nem sempre algumas das apregoadas boas práticas de reforma do Estado dos últimos anos deram bons resultados. Vejamos porque é que os valores que resultaram da implementação do SIADAP, do PRACE e dos Serviços Partilhados, que muitos continuam a aplaudir sem questionar, impedem a modernização do Estado e a redução da despesa pública.
Nos últimos anos assistiu-se ao fechamento e ao culto do individualismo decorrentes do modo de implementação do sistema de avaliação de recursos humanos (SIADAP), o qual, em vez de estimular a cooperação e o sentimento de pertença a processos interdepartamentais, criou uma competição e uma fragmentação excessiva das pessoas e dos organismos que compõem o sector público, impedindo sinergias e bloqueando a fluidez dos processos que se pretendiam mais rápidos, mais baratos e mais orientados às necessidades dos cidadãos e agentes económicos.
O preconceito de que o sector privado é melhor que o sector público e de que a boa gestão é incompatível com o bom cumprimento da lei (semelhante à água que não se mistura com o azeite), sustentou sobretudo a partir do PRACE a criação de autonomias de conveniência, traduzidas na multiplicação de novos organismos da administração indireta do Estado, que faz de conta que funciona como o sector privado, com maior liberdade de recrutamento e de fuga ao cumprimento da lei (agências, fundações, empresas e institutos públicos). Ao mesmo tempo, encostou-se e desvalorizou-se cinicamente a administração direta do Estado, esperando-se que o tempo faça desvanecer as “velhas” direções gerais. Recrutaram-se legiões de consultores ad hoc para transporem receitas do sector privado para uma cultura do sector público que não conheciam de todo e somaram-se estruturas aparentemente mais “modernas” às já existentes, numa espiral de despesa pública e de alimentação de novas liturgias de poder, numa tentativa desesperada de diferenciar as novas estruturas de “excelência” das velhas estruturas “burocráticas” tentando enclausurá-las em autênticos guetos indesejados e estigmatizados.
Os serviços partilhados na administração pública portuguesa seguiram esta mesma tendência e tiveram a originalidade de, em vez de reaproveitar e reutilizar recursos humanos existentes, recrutaram e somaram à administração pública tradicional mais recursos novos e dispendiosos.
Esta prática de fazer de novo e ao lado numa lógica despesista e incremental, em vez de se optar por transformar, qualificar e mobilizar as estruturas que existem, parece estar ainda na cabeça de muitos dos atuais protagonistas da Reforma do Estado, que continuam a pensar mais nas estruturas e no custo dos salários do que nas atitudes e nos comportamentos das pessoas e na modernização e automatização de processos. Todos sabemos que ainda existe muita gordura e desperdício à espera de uma intervenção efetiva com recurso às tecnologias de informação e comunicação, mas esta via parece não estar ainda na preocupação dos atuais governantes e aprendizes de feiticeiro feitos à pressa.
Por isso, é preciso dar novo rumo à Reforma do Estado.

Vejamos mais especificamente os casos do SIADAP e das autonomias de gestão:

Quanto ao SIADAP, não questiono o modelo do ponto de vista teórico, pois eu próprio promovi em finais dos anos 70, no recém criado Instituto de Informática, um sistema de avaliação verdadeiramente seletivo e sujeito a quotas com base na curva de Gauss, que infelizmente não resistiu ao ambiente externo.
Apenas constato a forma como foi implementado, mais uma vez como uma transposição cega e apressada de um modelo privado sem acautelar uma cultura de objetivos e de gestão de atividades e projetos dentro da administração pública.
Ao se lançar uma avaliação centrada quase exclusivamente no comportamento individual, numa cultura burocrática de cumprimento estrito de regras e formalidades, criou-se um fechamento em círculos de competências auto-protegidos e demarcados contra os colegas “concorrentes” quase sempre com a cumplicidade das respetivas chefias diretas enclausuradas nos seus castelos.
Tudo o que se desejaria neste momento na administração pública seria a abertura e a cooperação em torno da satisfação das necessidades dos cidadãos e agentes económicos. Deveríamos olhar mais para a sociedade do que para os limites artificiais das nossas tarefas, mas em vez disso alimentaram-se silos de competências e fragmentaram-se os processo transversais.

 Também não questiono e muito pelo contrário sou um grande apoiante da maior autonomia dos organismos e correspondentemente da sua maior responsabilização, assim como da atuação mais atempada dos organismos de controlo, baseada em sistemas de informação de reporte just in time. Apenas discordo profundamente da criação de paraísos orçamentais para tornear os excessivos constrangimentos legais (castrantes e desresponsabilizastes) impostos sobretudo à administração direta do Estado, deixando à rédea solta a administração indireta do Estado. Se a legislação e os atuais procedimentos são irracionais e bloqueadores, existe muito papel e lápis para alterar a legislação em vez de se continuar a cavar o fosso entre a chamada “boa” e “má” administração.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

Relatório da OCDE sobre o e-Gov na Dinamarca

O relatório da OCDE de 2010, sobre a Administração Pública da Dinamarca, incluiu uma parte sobre Serviços Partilhados que deveria interessar a Portugal. Vejamos o texto original, já que o inglês parece ser a língua preferida do actual Governo:
"In developing the shared service centres Denmark relied on a top-down approach according to which support service personnel are transferred to the established shared services centres and ministerial budgets are simultaneously decreased for the corresponding amount of resources".
http://www.oecd.org/internet/publicsectorinnovationande-government/45382552.pdf
Aqui vai o texto em versão portuguesa:
"O desenvolvimento de centros de serviços partilhados na Dinamarca baseou-se numa abordagem top-down, em que o pessoal de suporte dos vários organismos é transferido para os centros de serviços partilhados, diminuindo-se os orçamentos ministeriais na correspondente quantidade de recursos transferidos".
Em Portugal, desde que em 2007 foi criada a GERAP, como centro de serviços partilhados até hoje com a nova ESPAP, nem um funcionário foi transferido nem os orçamentos dos ministérios foram reduzidos, apenas se admitiram centenas de novos funcionários generosamente remunerados em contra ciclo com a situação financeira do país.
Isto só demonstra que a liturgia do Poder nas empresas e institutos públicos é incapaz de gerar as poupanças tão desejadas.

 Portugal está a desinvestir em e-Government e a "deitar fora o bebé com a água do banho", mas não para de desbaratar dinheiro nas áreas-meio em vez de dar prioridade às áreas-fim que mais interessam aos cidadãos e às empresas.
Temos que aprender com os melhores e não apenas com aqueles que passaram a vida a enterrar cada vez mais os países do terceiro mundo e a destruir o Estado e a sua credibilidade social