quinta-feira, novembro 08, 2012

Que venha um novo Robin dos Bosques

Se o Governo se continuar a comportar como um verdadeiro Príncipe João dos tempos modernos, aumentando impostos para alimentar a ganância financeira de uma Europa sem regulação nem solidariedade, temos que ir todos para a floresta de Sherwood à procura de um novo Robin dos Bosques, capaz de roubar aos ricos para dar aos pobres e evitar que este país vá para o empobrecimento total.

Preservar o Serviço Universal

Um Estado que entra em concorrência com o mercado acaba por perder a sua identidade e a sua razão de ser enquanto serviço público, acabando quase sempre por distorcer as regras da concorrência à custa dos nossos impostos. Por razões ideológicas ou estritamente financeiras, estas actividades acabam mais cedo ou mais tarde por ser devolvidas à economia real, onde a lógica rapidamente deixa de ser o "serviço universal" com especial atenção para as classes Z, Y e X, para se concentrarem progressivamente naqueles que podem pagar e que pertencem às classes A, B e C, como se ensina aos "bons" gestores privados.
Para continuar a garantir o "serviço universal", deixando de ser um Estado Prestador para passar a ser um Estado Garante da prestação de serviços, o Estado tem que ser reforçado e credibilizado perante a sociedade, mas ao contrário ele está a ser denegrido e decapitado, acabando por ser capturado quase sempre pelos interesses privados, sempre à espreita para se apoderarem de monopólios naturais ou das necessidades básicas da população.
O discurso demagógico contra o Estado está na moda e não falta quem reduza as suas instituições aos "nossos impostos", mas, apesar de estarmos a ser espoliados para pagar erros crónicos de governação, continuo a acreditar mais nas instituições publicas do que nos interesses privados para gerir a sua recolha e a sua aplicação à sociedade. A continuar assim, vamos mesmo assistir à subcontratação da regulação, como já vai acontecendo nalguns sectores e na maioria dos gabinetes governamentais.
Será que vamos acabar por fazer também o outsourcing do Governo? Já faltou mais desde que a Troika assumiu o controlo do nosso país.
Porque o que actualmente se pretende é sobretudo reduzir a despesa pública em 4 mil milhões de euros, chamo à atenção que foi exactamente a desconfiança nas instituições e no funcionalismo público que fez com que os sucessivos governos criassem administrações paralelas e as enchessem de clientelas político-partidárias.
Mais do que "refundar" o Estado é necessário corrigir os caminhos tortuosos que nos fizeram chegar até aqui

Sector Público ou Sector Privado?

Nas actuais propostas de "refundação" do Estado, fala-se muito na escola publica e na escola privada e na necessidade de se poder dar liberdade de escolha aos cidadãos.
Com efeito, desde há muitos anos que nos habituámos a ver os mais ricos a pagarem o ensino primário e secundário privado de maior qualidade aos filhos, para mais tarde poderem beneficiar de um ensino superior público mais barato e com melhor empregabilidade, enquanto os mais pobres acabam quase sempre por seguir o percurso inverso, começando nas escolas primárias e secundárias publicas, para vir mais tarde a acabar nas escolas de ensino superior privadas mais dispendiosas e de menor qualidade. Tudo isto faz parte do processo de fractura social que se tem agravado nos últimos anos, aproximando-se cada vez mais do modelo norte-americano do que do modelo europeu.
Na saúde, o principio da universalidade da prestação dos cuidados tem sido um dos activos do SNS, mas não falta quem questione o sistema actual, para dar lugar a uma liberdade de escolha contributiva e de prestação de serviços, assente por um lado num sistema de seguradoras para ricos, libertando-os de qualquer esforço solidário contributivo para o sistema público e por outro ir-se-ia degradando o SNS, o qual passaria a pertencer apenas ao universo dos pobres, numa lógica estritamente assistencialista e de caridadezinha. Mais uma vez nos estaríamos a aproximar cada vez mais do modelo norte-americano (pré Obama) e a afastarmo-nos do modelo europeu do SNS.
Fala-se em estimular a concorrência entre o sector publico e o sector privado, mas porque os argumentos são apenas financeiros, não sabemos como se vão pagar os chamados "vouchers" ou títulos de compra de um serviço aos que mais precisam, mas sobretudo não sabemos como se vão manter actividades que vão para além da mera prestação de serviços e que actualmente quase que são da exclusividade do sistema publico, como a investigação e a resolução de casos complexos que vão para além dos acordos de nível de serviço e que no futuro nenhum sistema publico ou privado, numa lógica estritamente mercantilista, passaria a acolher com agrado.

“Nova Gestão Pública” ou “Novo Serviço Público”?

Numa altura em que parece reinar a confusão sobre o que deve ser o “Serviço Público” e em que se fazem propostas para a sua “refundação”, é interessante recordar os princípios que deverão orientar o chamado “Novo Serviço Público”, propostos por Robert e Janet Denhardt em 2000, como resposta ao enorme fracasso do modelo neo-liberal que inspirou a “Nova Gestão Pública”, criada há 30 anos a partir das ideias de Margaret Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos EUA.
Vejamos quais os sete princípios que devem orientar o “Novo Serviço Público”:

  1. Servir em vez de dirigir
  2. O interesse publico é o propósito, não o subproduto
  3. Pensar estrategicamente, agir democraticamente
  4. Servir cidadãos, não consumidores
  5. A responsabilização não é simples
  6. Valorizar as pessoas, não somente a produtividade
  7. Valorizar a cidadania e o serviço publico mais do que o empreendedorismo.
O nosso Governo está a fazer tudo ao contrário:
  1. Está a mandar em vez de servir
  2. Está a colocar os interesses privados à frente do interesse público
  3. Só vê o curto prazo e está a agir contra a democracia
  4. Vê os cidadãos como meros consumidores de serviços públicos
  5. Não responsabiliza seriamente os culpados
  6. Esquece que são as pessoas que alcançam a produtividade
  7. Não valoriza a cidadania nem o serviço público
O actual Governo parece que quer entrar agora na vaga da “Nova Gestão Pública”, quando países como a Austrália, a Nova Zelândia, entre outros, já se conseguiram libertar deste flagelos que lhes custou muito caro e que quase lhes destruiu o Estado.
O actual Governo quer incentivar a concorrência entre o sector público e o sector privado, criando mais empresas de faz de conta, como se o número de empresas públicas, institutos, agências e fundações que vivem à rédea solta não fossem já suficientes.
Repito o que disse há dias: Como se pode “refundar” um Estado que se foi decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for, pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando as condições propícias para esta captura desenfreada.

"Refundar" um Estado decapitado?

Como se pode “refundar” um Estado que se foi decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for, pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando as condições propícias para esta captura desenfreada.
Em vez de se cortarem
as gorduras do Estado, estão-se a cortar as cabeças e os órgãos vitais de suporte à governação, por isso não nos podemos admirar que o país esteja doente e à beira de um colapso.
Se existe alguma coisa a dar prioridade de imediato é o reforço das competências de regulação, de gestão, de planeamento, de arquitectura de sistemas de informação, entre outras funções mais ligadas à inteligência e à soberania do Estado e menos à execução e à prestação de serviços que mais tarde poderão ser devolvidos de forma regulada à economia real.
Parece um paradoxo, mas neste momento é necessário restaurar o poder do Estado em vez de o fragilizar ainda mais.

O "hotel de alta rotatividade"

A Administração Pública nos últimos anos parece cada vez mais um "hotel de alta rotatividade", onde quem por lá passa se aproveita de alguns momentos de poder e de prazer, mas tem vergonha de ser confundido com os que já lá estão há mais tempo.
São já muitos os hotéis de luxo (empresas públicas, agências, institutos e fundações), criados para fugir ao controlo orçamental e pagar favores políticos
a quem os vai dirigir e a quem por lá passa durante uma pequena temporada. Remunera-se a belo prazer alguns destes passantes com valores que estão totalmente a contra ciclo do que actualmente se paga na economia real. Vão-se buscar alguns especialistas às empresas fornecedoras de serviços, substituindo-se a estas e entrando de forma despudorada em concorrência desleal com o mercado privado. Será assim que se pretende “refundar” o Estado?
Não admira que a despesa pública esteja descontrolada, pois enquanto esta aparente gestão privada continuar a reclamar para si maior autonomia e estiver a actuar na esfera pública com caprichos e desmandos de quem facilmente se deslumbra com o poder, o Estado continuará a ser um sorvedouro de recursos públicos que resiste à transparência e à prestação de contas.

O actual Governo pretende capturar a Administração Pública

Depois de assistir na passada sexta feira, no âmbito do Cidadania 2.0, à apresentação do Portal do Governo (http://www.portugal.gov.pt/), pela drª Marta Sousa que, para além de responsável pela imagem do Governo, é coordenadora da estratégia das TIC na Administração Pública portuguesa, ficou claro que o actual Governo pretende capturar a Administração Pública e confunde a política de uma legislatura com a continuidade e a independência do aparelho do Estado que deverá estar disponível e preparado técnica e eticamente para executar qualquer programa de Governo eleito democraticamente.
Na Internet já não existem ministérios mas apenas ministros e o culto da sua imagem política. Calaram-se os ministérios enquanto instituições capazes de preservar a memória e dar continuidade ao cumprimento de políticas públicas. Já não existem arquivos históricos relativos aos governos anteriores e já não sabemos até que ponto é que se vai calar a administração pública na sua vocação de servir o cidadão independentemente dos vários ciclos legislativos.
Durante a minha vida como funcionário público trespassei 25 governos diferentes e habituei-me, nas minhas áreas de competência, a cumprir técnica e eticamente os respectivos programas e as Grandes Opções do Plano (GOPs) que sustentavam os vários orçamentos. Contribuí com o meu esforço e dedicação para ciclos governamentais diferentes, preservando sempre que possível objectivos mais estruturantes e que iam muito para além de cada legislatura, através de propostas inovadoras e intemporais.
O juramento do funcionário público obrigava a “cumprir com lealdade as funções que lhe eram confiadas”, ao mesmo tempo que aprendíamos desde muito cedo a preservar valores de serviço público e a manter a neutralidade e imparcialidade de tratamento capazes de impedir o aparecimento de interesses pessoais ou particulares. Hoje parece que tudo isto ficou esquecido e parece que a sobrevivência e o sucesso dos novos “trabalhadores em funções públicas” depende acima de tudo da conquista do poder e da “politics” (política partidária) e não da assumpção das “policies” (políticas públicas) discutidas e sufragadas pela sociedade.
A estética e a sofisticação tecnológica do novo portal do Governo parece deslumbrar os políticos e alguns eleitores mal avisados sobre o perigo da promiscuidade entre a política e a máquina do Estado. O próprio CEGER, que era o serviço que garantia a continuidade e a passagem de testemunhos entre os vários governos, através da gestão de várias plataformas tecnológicas, parece estar arredado deste novo portal, passando a ser substituído pela contratação a peso de ouro de meros instrumentos de propaganda circunstanciais e de fachada.
Quer dar-se como exemplo outros governos como os do Reino Unido, dos EUA, da Austrália, do Canadá ou da vizinha Espanha, mas esquecem-se que nesses países a separação entre a classe política e a administração pública faz parte da maturidade das suas instituições e do funcionamento das suas democracias. Conheço pessoalmente muitos dos responsáveis destas administrações públicas que estão por detrás desses portais e da sua capacidade para suster a tentação da captura do Estado por parte da classe política que vai passando em cada ciclo legislativo, mas o exemplo destas instituições e do seu back office parece passar despercebido aos consultores de imagem do actual Governo de Portugal.
Vejam os exemplos e as diferenças Austrália http://australia.gov.au/, Reino Unido https://www.gov.uk/, EUA http://www.usa.gov/, etc. Mesmo o Governo de Espanha e o site La Moncloa mantém a mesma imagem institucional ao longo de vários governos http://www.lamoncloa.gob.es/ .
A captura política de iniciativas que deveriam ser estruturais e de interesse nacional conduz à falência de boas ideias. Por exemplo quem se lembra hoje do SIMPLEX? Será que o actual Governo se esqueceu de lhe dar continuidade ou pura e simplesmente o deixou cair porque esta iniciativa não foi criada por ele ("Not invented here"). Ao longo da minha vida já vi repetidas vezes este filme. O INFOCID por exemplo sobreviveu a quatro governos mas foi re-inventado em 2004 apenas para servir propósitos políticos. Ainda hoje me perguntam a partir de vários países porque é que o INFOCID acabou, quando foi o primeiro portal em todo o mundo a privilegiar a perspectiva do cidadão em 1989, através da cooperação de 52 organismos de todos os ministérios para os vários eventos de vida. Nessa altura a Administração Pública tinha iniciativas e não se deixava vergar à propagandistas políticos.