quinta-feira, dezembro 13, 2012

Dependência e custos de Outsourcing na AP

A estratégia do atual governo parece contrariar todos os princípios e boas práticas de contratação externa de sistemas e tecnologias de informação (SI/TI). A gestão do outsorcing no Estado, suportada por algum “apoio espiritual” académico mal informado e deslumbrado pela ribalta política e mediática, está a seguir o caminho contrário ao que os maiores especialistas na gestão do outsourcing e que o próprio bom senso recomendam.
O Estado está a entregar e a centralizar em fornecedores e em produtos únicos sistemas de baixa especificidade de negócio (“pão com manteiga”) e em que existe muita oferta e diversidade de produtos e competências técnicas no mercado, como é o caso da gestão financeira, dos recursos humanos e dos recursos patrimoniais (ERP) e ainda da gestão documental, entre outros.
Esta entrega a fornecedores únicos de sistemas em que existe muita oferta e concorrência no mercado poderá ter uma redução de custos no curto prazo por razões de escala, mas conduz a médio e longo prazo a uma captura por parte dos fornecedores escolhidos e a uma dependência do Estado que irá com toda a certeza degenerar em custos finais muito mais elevados (TCO) e a uma perca de soberania a que nenhum país do mundo pode estar sujeito.
Dar o “pão com manteiga” a fornecedores únicos é um erro básico e de quem não sabe o que é gerir outsourcing. Trata-se de “commodities” ou de produtos de alto consumo em que se tem de apostar sobretudo em normas e mecanismos de interoperabilidade entre eles. Como recentemente recomendou Andrea di Maio do Gartner "Slow down on centralization. Re-empower agencies by focusing on commoditization and interoperability".
Bem basta os constrangimentos a que estamos sujeitos na dependência de maior longo prazo e no aumento de custos no outsorcing de sistemas que têm baixa oferta no mercado e de grande especificidade, como os sistemas fiscais, de segurança social, de justiça, de defesa e segurança interna, etc. Trata-se de “pratos gourmet” a que o Estado deverá ter a maior atenção, podendo nalguns casos reservar para si o controlo soberano ou até ter uma estratégia deliberada de insourcing com recursos técnicos e humanos próprios.
Esta quadro foi apresentado numa conferencia que efetuei há mais de 10 anos, e parece-me que está perfeitamente atualizado.


Será que a ´"Água" e o "Azeite" se podem misturar na AP?

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É incrível como a generalidade dos políticos de sucessivos governos e até alguns académicos de referencia acreditam e propagam para a sociedade que o cumprimento e o respeito pela lei, que deve orientar os valores e a ação dos serviços públicos, não se mistura com a boa gestão, como se se tratasse de água e azeite. Ou seja parece que na administração pública existe uma incompatibilidade natural entre o “Princípio da Legalidade” e a “Boa Gestão”.
Esta atitude fatalista e preconcebida baseada em crenças conduziram o país a um descalabro institucional em que para se ser bom gestor na administração pública se tem de ser “fora da lei”. A criação descontrolada de institutos, agências, fundações e entidades empresariais é um testemunho desta fuga à lei e aos mecanismos de controlo próprios de um Estado democrático.
Deixem-me usar uma metáfora, pois sou um alentejano que sabe como a água e o azeite se podem misturar numa boa açorda se tivermos outros ingredientes adequados como o alho e os coentros. Na cozinha mediterrânica esta mistura saudável do azeite e da água é reconhecida em todo o mundo.
Também na administração pública é urgente acabar com este preconceito e a crença de que não pode haver boa gestão com legalidade e que é possível ter uma Governance que respeite os princípios do serviço público e da democracia.


quinta-feira, novembro 08, 2012

Que venha um novo Robin dos Bosques

Se o Governo se continuar a comportar como um verdadeiro Príncipe João dos tempos modernos, aumentando impostos para alimentar a ganância financeira de uma Europa sem regulação nem solidariedade, temos que ir todos para a floresta de Sherwood à procura de um novo Robin dos Bosques, capaz de roubar aos ricos para dar aos pobres e evitar que este país vá para o empobrecimento total.

Preservar o Serviço Universal

Um Estado que entra em concorrência com o mercado acaba por perder a sua identidade e a sua razão de ser enquanto serviço público, acabando quase sempre por distorcer as regras da concorrência à custa dos nossos impostos. Por razões ideológicas ou estritamente financeiras, estas actividades acabam mais cedo ou mais tarde por ser devolvidas à economia real, onde a lógica rapidamente deixa de ser o "serviço universal" com especial atenção para as classes Z, Y e X, para se concentrarem progressivamente naqueles que podem pagar e que pertencem às classes A, B e C, como se ensina aos "bons" gestores privados.
Para continuar a garantir o "serviço universal", deixando de ser um Estado Prestador para passar a ser um Estado Garante da prestação de serviços, o Estado tem que ser reforçado e credibilizado perante a sociedade, mas ao contrário ele está a ser denegrido e decapitado, acabando por ser capturado quase sempre pelos interesses privados, sempre à espreita para se apoderarem de monopólios naturais ou das necessidades básicas da população.
O discurso demagógico contra o Estado está na moda e não falta quem reduza as suas instituições aos "nossos impostos", mas, apesar de estarmos a ser espoliados para pagar erros crónicos de governação, continuo a acreditar mais nas instituições publicas do que nos interesses privados para gerir a sua recolha e a sua aplicação à sociedade. A continuar assim, vamos mesmo assistir à subcontratação da regulação, como já vai acontecendo nalguns sectores e na maioria dos gabinetes governamentais.
Será que vamos acabar por fazer também o outsourcing do Governo? Já faltou mais desde que a Troika assumiu o controlo do nosso país.
Porque o que actualmente se pretende é sobretudo reduzir a despesa pública em 4 mil milhões de euros, chamo à atenção que foi exactamente a desconfiança nas instituições e no funcionalismo público que fez com que os sucessivos governos criassem administrações paralelas e as enchessem de clientelas político-partidárias.
Mais do que "refundar" o Estado é necessário corrigir os caminhos tortuosos que nos fizeram chegar até aqui

Sector Público ou Sector Privado?

Nas actuais propostas de "refundação" do Estado, fala-se muito na escola publica e na escola privada e na necessidade de se poder dar liberdade de escolha aos cidadãos.
Com efeito, desde há muitos anos que nos habituámos a ver os mais ricos a pagarem o ensino primário e secundário privado de maior qualidade aos filhos, para mais tarde poderem beneficiar de um ensino superior público mais barato e com melhor empregabilidade, enquanto os mais pobres acabam quase sempre por seguir o percurso inverso, começando nas escolas primárias e secundárias publicas, para vir mais tarde a acabar nas escolas de ensino superior privadas mais dispendiosas e de menor qualidade. Tudo isto faz parte do processo de fractura social que se tem agravado nos últimos anos, aproximando-se cada vez mais do modelo norte-americano do que do modelo europeu.
Na saúde, o principio da universalidade da prestação dos cuidados tem sido um dos activos do SNS, mas não falta quem questione o sistema actual, para dar lugar a uma liberdade de escolha contributiva e de prestação de serviços, assente por um lado num sistema de seguradoras para ricos, libertando-os de qualquer esforço solidário contributivo para o sistema público e por outro ir-se-ia degradando o SNS, o qual passaria a pertencer apenas ao universo dos pobres, numa lógica estritamente assistencialista e de caridadezinha. Mais uma vez nos estaríamos a aproximar cada vez mais do modelo norte-americano (pré Obama) e a afastarmo-nos do modelo europeu do SNS.
Fala-se em estimular a concorrência entre o sector publico e o sector privado, mas porque os argumentos são apenas financeiros, não sabemos como se vão pagar os chamados "vouchers" ou títulos de compra de um serviço aos que mais precisam, mas sobretudo não sabemos como se vão manter actividades que vão para além da mera prestação de serviços e que actualmente quase que são da exclusividade do sistema publico, como a investigação e a resolução de casos complexos que vão para além dos acordos de nível de serviço e que no futuro nenhum sistema publico ou privado, numa lógica estritamente mercantilista, passaria a acolher com agrado.

“Nova Gestão Pública” ou “Novo Serviço Público”?

Numa altura em que parece reinar a confusão sobre o que deve ser o “Serviço Público” e em que se fazem propostas para a sua “refundação”, é interessante recordar os princípios que deverão orientar o chamado “Novo Serviço Público”, propostos por Robert e Janet Denhardt em 2000, como resposta ao enorme fracasso do modelo neo-liberal que inspirou a “Nova Gestão Pública”, criada há 30 anos a partir das ideias de Margaret Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos EUA.
Vejamos quais os sete princípios que devem orientar o “Novo Serviço Público”:

  1. Servir em vez de dirigir
  2. O interesse publico é o propósito, não o subproduto
  3. Pensar estrategicamente, agir democraticamente
  4. Servir cidadãos, não consumidores
  5. A responsabilização não é simples
  6. Valorizar as pessoas, não somente a produtividade
  7. Valorizar a cidadania e o serviço publico mais do que o empreendedorismo.
O nosso Governo está a fazer tudo ao contrário:
  1. Está a mandar em vez de servir
  2. Está a colocar os interesses privados à frente do interesse público
  3. Só vê o curto prazo e está a agir contra a democracia
  4. Vê os cidadãos como meros consumidores de serviços públicos
  5. Não responsabiliza seriamente os culpados
  6. Esquece que são as pessoas que alcançam a produtividade
  7. Não valoriza a cidadania nem o serviço público
O actual Governo parece que quer entrar agora na vaga da “Nova Gestão Pública”, quando países como a Austrália, a Nova Zelândia, entre outros, já se conseguiram libertar deste flagelos que lhes custou muito caro e que quase lhes destruiu o Estado.
O actual Governo quer incentivar a concorrência entre o sector público e o sector privado, criando mais empresas de faz de conta, como se o número de empresas públicas, institutos, agências e fundações que vivem à rédea solta não fossem já suficientes.
Repito o que disse há dias: Como se pode “refundar” um Estado que se foi decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for, pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando as condições propícias para esta captura desenfreada.

"Refundar" um Estado decapitado?

Como se pode “refundar” um Estado que se foi decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for, pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando as condições propícias para esta captura desenfreada.
Em vez de se cortarem
as gorduras do Estado, estão-se a cortar as cabeças e os órgãos vitais de suporte à governação, por isso não nos podemos admirar que o país esteja doente e à beira de um colapso.
Se existe alguma coisa a dar prioridade de imediato é o reforço das competências de regulação, de gestão, de planeamento, de arquitectura de sistemas de informação, entre outras funções mais ligadas à inteligência e à soberania do Estado e menos à execução e à prestação de serviços que mais tarde poderão ser devolvidos de forma regulada à economia real.
Parece um paradoxo, mas neste momento é necessário restaurar o poder do Estado em vez de o fragilizar ainda mais.

O "hotel de alta rotatividade"

A Administração Pública nos últimos anos parece cada vez mais um "hotel de alta rotatividade", onde quem por lá passa se aproveita de alguns momentos de poder e de prazer, mas tem vergonha de ser confundido com os que já lá estão há mais tempo.
São já muitos os hotéis de luxo (empresas públicas, agências, institutos e fundações), criados para fugir ao controlo orçamental e pagar favores políticos
a quem os vai dirigir e a quem por lá passa durante uma pequena temporada. Remunera-se a belo prazer alguns destes passantes com valores que estão totalmente a contra ciclo do que actualmente se paga na economia real. Vão-se buscar alguns especialistas às empresas fornecedoras de serviços, substituindo-se a estas e entrando de forma despudorada em concorrência desleal com o mercado privado. Será assim que se pretende “refundar” o Estado?
Não admira que a despesa pública esteja descontrolada, pois enquanto esta aparente gestão privada continuar a reclamar para si maior autonomia e estiver a actuar na esfera pública com caprichos e desmandos de quem facilmente se deslumbra com o poder, o Estado continuará a ser um sorvedouro de recursos públicos que resiste à transparência e à prestação de contas.

O actual Governo pretende capturar a Administração Pública

Depois de assistir na passada sexta feira, no âmbito do Cidadania 2.0, à apresentação do Portal do Governo (http://www.portugal.gov.pt/), pela drª Marta Sousa que, para além de responsável pela imagem do Governo, é coordenadora da estratégia das TIC na Administração Pública portuguesa, ficou claro que o actual Governo pretende capturar a Administração Pública e confunde a política de uma legislatura com a continuidade e a independência do aparelho do Estado que deverá estar disponível e preparado técnica e eticamente para executar qualquer programa de Governo eleito democraticamente.
Na Internet já não existem ministérios mas apenas ministros e o culto da sua imagem política. Calaram-se os ministérios enquanto instituições capazes de preservar a memória e dar continuidade ao cumprimento de políticas públicas. Já não existem arquivos históricos relativos aos governos anteriores e já não sabemos até que ponto é que se vai calar a administração pública na sua vocação de servir o cidadão independentemente dos vários ciclos legislativos.
Durante a minha vida como funcionário público trespassei 25 governos diferentes e habituei-me, nas minhas áreas de competência, a cumprir técnica e eticamente os respectivos programas e as Grandes Opções do Plano (GOPs) que sustentavam os vários orçamentos. Contribuí com o meu esforço e dedicação para ciclos governamentais diferentes, preservando sempre que possível objectivos mais estruturantes e que iam muito para além de cada legislatura, através de propostas inovadoras e intemporais.
O juramento do funcionário público obrigava a “cumprir com lealdade as funções que lhe eram confiadas”, ao mesmo tempo que aprendíamos desde muito cedo a preservar valores de serviço público e a manter a neutralidade e imparcialidade de tratamento capazes de impedir o aparecimento de interesses pessoais ou particulares. Hoje parece que tudo isto ficou esquecido e parece que a sobrevivência e o sucesso dos novos “trabalhadores em funções públicas” depende acima de tudo da conquista do poder e da “politics” (política partidária) e não da assumpção das “policies” (políticas públicas) discutidas e sufragadas pela sociedade.
A estética e a sofisticação tecnológica do novo portal do Governo parece deslumbrar os políticos e alguns eleitores mal avisados sobre o perigo da promiscuidade entre a política e a máquina do Estado. O próprio CEGER, que era o serviço que garantia a continuidade e a passagem de testemunhos entre os vários governos, através da gestão de várias plataformas tecnológicas, parece estar arredado deste novo portal, passando a ser substituído pela contratação a peso de ouro de meros instrumentos de propaganda circunstanciais e de fachada.
Quer dar-se como exemplo outros governos como os do Reino Unido, dos EUA, da Austrália, do Canadá ou da vizinha Espanha, mas esquecem-se que nesses países a separação entre a classe política e a administração pública faz parte da maturidade das suas instituições e do funcionamento das suas democracias. Conheço pessoalmente muitos dos responsáveis destas administrações públicas que estão por detrás desses portais e da sua capacidade para suster a tentação da captura do Estado por parte da classe política que vai passando em cada ciclo legislativo, mas o exemplo destas instituições e do seu back office parece passar despercebido aos consultores de imagem do actual Governo de Portugal.
Vejam os exemplos e as diferenças Austrália http://australia.gov.au/, Reino Unido https://www.gov.uk/, EUA http://www.usa.gov/, etc. Mesmo o Governo de Espanha e o site La Moncloa mantém a mesma imagem institucional ao longo de vários governos http://www.lamoncloa.gob.es/ .
A captura política de iniciativas que deveriam ser estruturais e de interesse nacional conduz à falência de boas ideias. Por exemplo quem se lembra hoje do SIMPLEX? Será que o actual Governo se esqueceu de lhe dar continuidade ou pura e simplesmente o deixou cair porque esta iniciativa não foi criada por ele ("Not invented here"). Ao longo da minha vida já vi repetidas vezes este filme. O INFOCID por exemplo sobreviveu a quatro governos mas foi re-inventado em 2004 apenas para servir propósitos políticos. Ainda hoje me perguntam a partir de vários países porque é que o INFOCID acabou, quando foi o primeiro portal em todo o mundo a privilegiar a perspectiva do cidadão em 1989, através da cooperação de 52 organismos de todos os ministérios para os vários eventos de vida. Nessa altura a Administração Pública tinha iniciativas e não se deixava vergar à propagandistas políticos.

segunda-feira, outubro 29, 2012

Paradoxos de um Estado que está a destruir a economia portuguesa!

Cada vez se assiste mais à destruição massiva das empresas portuguesas de software, sobretudo por parte do actual governo que prefere aumentar a quota do mercado das grandes multinacionais que operam em Portugal em detrimento da adopção de soluções nacionais capazes de gerar valor para a nossa economia.
Será interessante verificar n
o final deste ano quais os custos das aquisições efectuadas a empresas multinacionais e a empresas nacionais, quando todos sabemos que as licenças de software adquiridas ao estrangeiro são meras importações que transferem para fora do país mais de 80% do valor pago por todos nós, enquanto as licenças pagas a empresas portuguesas são um reforço da nossa economia e uma capacitação para aumentar as nossas exportações.
Chega-se ao cúmulo de fazer adjudicações directas a multinacionais, que por trás vão subcontratar pequenas empresas portuguesas que entretanto foram descartadas pelo Estado e a quem se pede que reinventem tudo de novo.
Numa altura em que a ordem é poupar, obriga-se os pequenos organismos a cancelar contratos com empresas portuguesas e despeja-se dinheiro a rodos nos maiores organismos de informática do Estado, que estão cada vez mais reféns das grandes multinacionais, desrespeitando leis da Assembleia da República de generalização do software livre na administração pública e as regras mínimas de contratação pública.
Quer-se reduzir em cerca de 550 milhões de euros anuais a factura em TIC no Estado, mas parece que isso só se aplica às empresas portuguesas que ainda têm a coragem de vender ao sector público.
Muitos são os lamentos de empresários portugueses que se querem ver livres de contratos com um Estado que cada vez mais os sufoca em favor dos grandes lobbies multinacionais. Algumas das empresas mais inovadoras deste país que trabalham para o Estado já estão a colocar metas no sentido de deixar de vender ao sector público no curto prazo e no médio prazo trabalhar apenas para o mercado internacional, preferindo nessa altura deslocalizar as suas sedes para outros países onde a governação é mais séria e previsível.

sexta-feira, julho 06, 2012

Linhas Orientadoras e Estratégicas para o Cadastro e a Gestão Rural

Finalmente temos uma luz ao fundo do túnel em relação à representação do território. Foi ontem publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2012 que aprova as Linhas Orientadoras e Estratégicas para o Cadastro e a Gestão Rural http://goo.gl/t2Lfx Será que é o ponto de partida para um Cadastro multifuncional ou mais uma iniciativa dispersa apenas para finalidades rurais? Eu gostaria mais que se tratasse do Cadastro da Propriedade (rústico e urbano).
 Seria bom que se integrassem algumas empresas que ainda estão na mão do sector publico, como é o caso dos CTT e das Águas de Portugal, por forma aproveitar muito do trabalho que tem sido efectuado neste âmbito, nomeadamente em relação aos códigos postais e à rede de águas. Também se deveriam envolver outras utilities que já deixaram de ser públicas, nomeadamente na área da energia e das telecomunicações, as quais só beneficiariam com a criação de uma infraestrutura única do território português e por isso podem dar neste momento um contributo importante em recursos e competências técnicas para este verdadeiro desígnio nacional.
 Está na hora de definir de uma vez por todas o que são "Dados Abertos" no domínio da informação geográfica e que não se continue numa política mesquinha de sustentabilidade financeira de alguns organismos através da venda de dados que deveriam ser públicos em favor do desenvolvimento da economia do país. Está na hora também de cumprir directivas comunitárias como o INSPIRE. Seria bom tornar público o estudo do Prof Augusto Mateus sobre o retorno do investimento no SINERGIC

quinta-feira, julho 05, 2012

Coordenação das TIC na Administração Pública

Coordenar as TIC na administração pública, mesmo estando próximo do Poder, é antes de tudo SERVIR e muito menos MANDAR. A autoridade obtém-se com a credibilidade de ajudar os organismos em tarefas transversais que eles sozinhos são incapazes de assegurar (arquitectura de dados, semânticas, repositórios comuns, interoperabilidade, promoção de uma visão global, integração dos planos sectoriais, orientação aos eventos de vida, etc.). A coordenação deve ser desejada. Os planos sectoriais só fazem sentido se as grandes linhas estratégicas estiverem claras e se existir à partida um enquadramento arquitectónico global. Caso contrário os planos sectoriais não passam de "feiras de vaidades" protegidas pelos respectivos ministros, para legitimar orçamentos e singularidades que apenas servem para alimentar espirais despesistas e territórios de poder.

Diagnóstico das TIC na Administração Pública

O levantamento das TIC da administração pública portuguesa começou a ser feito "pro bono" por uma única empresa, a quem se deu acesso a toda a informação privilegiada a instalações, recursos, contratos, aplicações, etc. Quando se está no poder fica-se muito deslumbrado com os "almoços grátis" e as "borlas" muito convenientes. Trata-se de um insulto para a própria administração pública que, apesar de possuir mais de 600 mil funcionários, é colocada de lado para se encomendar ao exterior um mero levantamento da situação actual das suas infraestruturas TIC. Depois de concluído o levantamento de 4 ministérios, parece que agora se pretende emendar a mão entregando às associações do sector o trabalho de levantamento dos ministérios que faltam, como se se quisesse "branquear" o que foi feito. É pouco ético passar para as associações a responsabilidade da escolha de fornecedores de serviços. Bastaria pagar e tornar públicos os instrumentos de análise e fazer o levantamento do "as is" com os recursos internos. De notar que manda a ética e as boas práticas que uma empresa que executa um diagnóstico deve ficar impedida de se envolver na implementação. Onde estão os reguladores que se deveriam preocupar com estas coisas (ANACOM, Autoridade da Concorrência, etc.)?

terça-feira, janeiro 10, 2012

Paradoxos na gestão dos recursos do Estado - A inversão de prioridades no uso das TIC

Portugal tem vindo nos últimos trinta anos a sofrer influências da chamada “nova gestão pública”, visando a passagem de estruturas tradicionais, baseadas no estrito cumprimento de normas, actuando em monopólio, hierarquizadas e caracterizadas pela estabilidade e previsibilidade, para estruturas pós-burocráticas tendencialmente mais eficientes, actuando num ambiente de concorrência e competição entre agentes públicos e privados e num sistema orgânico orientado para o “cliente”, colocando maior ênfase na mudança, na inovação e na produção de produtos e serviços públicos. Era suposto que as antigas direcções gerais fossem sendo divididas em pequenos centros de estudo e formação de políticas públicas, que permanecessem na administração directa do estado, transferindo-se as actividades operacionais para um conjunto de serviços satélites, no âmbito da administração indirecta do estado, capazes de implementar essas políticas e preparar-se para uma possível privatização futura. Seria suposto que se tornassem claros os papéis das unidades estratégicas em relação às unidades operacionais, permitindo uma maior clarificação dos limites entre o sector público e o sector privado.
A passagem de um modelo burocrático tradicional para um modelo pós-burocrático nunca chegou verdadeiramente a acontecer em Portugal, tendo-se persistido em sinais tradicionais através da actuação centralizada e em monopólio a par de uma empresarialização fora de controlo, com unidades independentes que se foram apropriando de competências estratégicas e regulatórias, muito para além das tarefas operacionais específicas da administração indirecta estado. O XIX Governo está a ter uma prática contraditória com o modelo pós-burocrático, ao retirar autonomias aos vários níveis do sector estado, nomeadamente convertendo empresas em institutos e institutos em direcções-gerais, pretendendo deste modo vigiar de perto os recursos que estiveram fora de controlo nos últimos anos.
Quando um Governo chega ao poder, sobretudo num período de crise como este, deveria fazer algumas perguntas prioritárias, se quisesse tomar decisões com alguma objectividade: Quantos funcionários públicos temos, onde estão, que categorias, qual a idade, qual a antiguidade, quanto custam, o que fazem? Que dinheiro existe, onde está, quais os compromissos, quanto devemos? Que património possuímos, onde está, qual o valor, qual a antiguidade e estado de conservação? As respostas deveriam ser únicas, certeiras e concertadas entre os diversos organismos horizontais que seria suposto disporem de fontes de informação fiáveis e sincronizadas, capazes de responder prontamente a estas perguntas, tais como a DGO - Direcção Geral do Orçamento, a DGAEP - Direcção Geral da Administração e do Emprego Público, a  DGT - Direcção Geral do Tesouro, CGA – Caixa Geral de Aposentações e a GERAP - Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da .
Desde o início dos anos 90 com o aparecimento da RAFE (Reforma Financeira do Estado) e das suas aplicações SIC e SRH, bem como da unidade de tesouraria, que se teve uma preocupação de controlo universal dos recursos da administração pública. No início da implementação do POCP / RIGORE a par da criação do SIGRAP (Sistema de Gestão dos Recursos da AP) no âmbito do Sistema de Controlo Interno, aprovado por Manuela Ferreira Leite em Janeiro de 2003, houve um reforço da preocupação no controlo financeiro de todos os subsectores do Estado onde circulavam dinheiros públicos. No domínio dos recursos humanos, a BDAP, criada no final dos anos 90 a cargo do Instituto de Gestão da Base de Dados dos Recursos Humanos da Administração Pública e mais tarde retomada em 2003 pela DGAEP e pelo II/MFAP, foi uma boa tentativa de alargar o conhecimento dos recursos humanos afectos à administração pública central, regional e local e aos serviços e fundos autónomos, ficando de fora apenas o sector público empresarial. Esta iniciativa teve também o mérito de criar normas de interoperabilidade com o SRH e outros ERP em uso no sector público, o que tornou a universalidade dos dados mais fácil e rápida de alcançar. Os últimos dados efectivos deste sistema semiautomático remontam a 2005.
Com a criação da GERAP em 2007, todo este processo de cobrir a totalidade dos recursos financeiros e humanos foi interrompido e enveredou-se por uma estratégia em sentido inverso, com uma preocupação centrada na implementação de ERP departamentais e pela venda avulsa destes serviços e aplicações aos organismos. A universalidade e a consequente gestão global dos recursos do estado deixou de ser uma prioridade, numa altura em que seria mais necessária, não apenas pelo contexto de crise, mas também devido à passagem acelerada nos últimos 10 anos dos organismos da administração directa para a administração indirecta do estado, de forma deliberada mas também descontrolada. A própria unidade de tesouraria que foi uma tónica da RAFE nos anos 90 está a ser posta em causa, como têm sido referido nos relatórios do Tribunal de Contas sobre as contas no Tesouro, que não chegam a incluir 6% das empresas públicas, desrespeitando o princípio da unidade de tesouraria imposto pela União Europeia.
Nos recursos humanos, a BDAP http://www.bdap.min-financas.pt, que seria suposto estar permanentemente actualizada, teve a sua última actualização a 6 de Julho de 2007, pouco tempo depois da criação da GERAP. Nos recursos financeiros e patrimoniais, foi também suspenso em 2007 o SIGRAP – Sistema de Informação de Gestão dos Recursos da Administração Pública, criado no âmbito do Sistema de Controlo Interno durante o período de Manuela Ferreira Leite. A estratégia de adopção de um sistema ERP único para toda a administração pública gerido pela GERAP, fez esquecer a necessidade de criar condições de interoperabilidade entre os sistemas departamentais existentes e o sistema central. O “negócio” da GERAP ofuscou completamente a gestão global dos recursos do estado, passando a ser uma “agência de vendas” de pacotes SAP, à procura de um “mercado” sem fim à vista. A GERAP, para além de não ter cumprido o seu papel, quase destruiu a DGAEP e o Instituto de Informática e abalou seriamente o funcionamento da DGO. É fácil ser “Fornecedor” quando os “Clientes” são obrigados a comprar e quando quem devia regular este “mercado” é desautorizado e fragilizado nas suas competências (DGAEP, DGO, etc.).
Está-se a olhar para algumas árvores do nosso quintal em vez de se ver a totalidade da floresta do nosso território e infelizmente confunde-se autonomia e desorçamentação com descontrolo dos recursos do estado. É preciso inverter quanto antes este caminho: A aposta deverá centrar-se na criação de mecanismos de interoperabilidade entre a diversidade dos sistemas locais e os sistemas centrais suportados na concertação semântica e em ferramentas adequadas de business intelligence.
O conceito de Serviços Partilhados, introduzido em 2005 na gestão dos recursos da administração pública pelo Instituto de Informática, foi totalmente deturpado pela GERAP, passando a ser uma apropriação centralista e autoritária de recursos sem qualquer regulação institucional ou de mercado. Desde 2007, todas as atenções e prioridades se viraram para a “venda” em monopólio de ERP locais e espaço de computador, num exercício de autolegitimação para impressionar o poder político, que busca desesperadamente soluções para a redução do défice.
Qualquer empresa portuguesa na área dos sistemas de gestão (ERP) está impedida de vender serviços ao estado, a não ser que seja SAP. Em benchmarkings recentes a GERAP apresentou custos que vão para além do dobro dos custos de outras soluções disponíveis no mercado português e os prazos para instalação do GeRFiP e do GeRHuP vão para lá dos dois anos, por incapacidade manifesta de resposta às solicitações dos organismos. O estado está, através da GERAP, a concorrer directamente com o sector privado, viciando o jogo através da reserva de normas de interoperabilidade semântica, que deveriam ser totalmente públicas e transparentes, bloqueando a fluidez dos dados entre os vários sistemas locais e a camada estratégica dos sistemas centrais e impedindo o funcionamento em tempo real da gestão dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais do estado, de suporte fiável às políticas públicas em curso.
Como vai ser possível ter rigor na Governance e no controlo global dos recursos da administração pública? Como se vão fazer os próximos Orçamentos? Como se vai fechar a Conta? Quantos são os trabalhadores do estado? Como gerir as carreiras de pessoal e responder às pressões corporativas em tempo de crise? Qual o valor patrimonial do estado? Para quando uma balanço do estado? Para quando o controlo efectivo da Despesa Pública?

Texto publicado no dia 10 de Janeiro de 2012 no Tek.Sapo 

segunda-feira, janeiro 09, 2012

A soberania do estado na era do Cloud Computing - Privatização e inversão de prioridades na gestão dos recursos de SI/TI


A administração pública portuguesa, apesar dos processos de modernização e reforma a que foi sujeita nos últimos quarenta anos, ainda traduz alguns dos legados históricos que caracterizaram a formação dos estados modernos da Europa, desde a formação das estruturas inspiradas nas instituições militares e jurídicas do antigo império romano, passando pelos valores, normas e hierarquias da igreja católica, até chegarmos ao processo de criação do espaço institucional e administrativo dos modernos estados europeus.
Tal como no passado, a consolidação dos estados modernos passou pela destruição dos poderes tradicionais e regionais, tentando substituir a organização marcadamente patrimonialista por uma organização tendencialmente mais profissional e impessoal, as reformas que estão hoje a ser encetadas não são muito diferentes das que se foram verificando ao longo de todo o processo histórico de afirmação dos estados soberanos e independentes, através da concentração do poder e do domínio dos recursos públicos.
Hoje já não se trata de suseranos feudais mas de novas corporações e lobbies nacionais e transnacionais que voltam a ameaçar as soberanias e as independências do estados actuais, sem esquecer a tendência sempre constante para a desagregação por excessiva departamentalização das estruturas internas da administração pública, fortemente acentuada nos últimos trinta anos pela chamada “nova gestão pública” (New Public Management), através do agenciamento e empresarialização que este modelo dogmatizou com um cariz acentuadamente político e liberal.
Se por um lado as tecnologias estão cada vez mais a possibilitar a integração e a interoperabilidade dos processos interdepartamentais orientados para os eventos de vida dos cidadãos e agentes económicos, paradoxalmente a sucessão dos ciclos políticos e a excessiva departamentalização e empresarialização interrompem e atrasam fortemente a evolução do e-Government para estágios mais maduros e evoluídos de serviços que se pretendem progressivamente mais personalizados, mais proactivos, mais eficazes, mais baratos e mais fáceis de usufruir.
A nova gestão pública, que os últimos governos tentaram implementar de forma mais ou menos encoberta e que actualmente se acentuou de forma mais explícita, seria suposto que valorizasse a privatização de actividades menos soberanas e susceptíveis de poderem ser devolvidas à economia real, promovendo um estado mais reduzido e menos pesado para os contribuintes e libertando “áreas de negócio” que fossem interessantes e rentáveis para a sociedade. As TIC do sector público desde há muito que são, para as empresas do sector, um alvo apetecível para a privatização, uma vez que a externalização parcial já se vem acentuando nos últimos vinte anos através do outsourcing de serviços técnicos especializados difíceis de encontrar e reter no interior do aparelho do estado. Com efeito, já se está a passar hoje em dia de uma fase tímida de outsourcing parcial para um novo estágio de outsourcing completo de processos de negócio (Business Process Outsourcing). Mas como é que isto se está a passar?
As tecnologias da informação e comunicação poder-se-iam constituir em instrumentos mais ou menos soberanos consoante se aproximam das áreas estratégicas e substantivas da administração pública, específicas de cada ministério, ou se constituem em recursos indiferenciados e menos específicos do sector público, como é o caso da actividades administrativas e instrumentais da gestão de recursos humanos, financeiros e patrimoniais, assim como os serviços de alojamento (hosting) e de gestão de equipamentos e redes. Na perspectiva de Nicholas Carr, trata-se de reter as TI que diferenciam o sector e “realmente interessam” (IT really matters) e descartar para fora as TI que verdadeiramente “não interessam” (IT doesn’t matter).
O deslumbramento político e a sobrevalorização da tecnologia como instrumento de reforma do estado e de obtenção de resultados a curto prazo, transformaram a “informática”, nos últimos dez anos, num instrumento de poder e num recurso a ser capturado pelas várias áreas políticas, capaz de alimentar as suas “feiras de vaidades” e justificar avultados orçamentos, que chegaram aos mil milhões de euros anuais. Esta euforia toldou o raciocínio e a capacidade de gerir e diferenciar as várias tecnologias e os vários sistemas de informação. Pensou-se verdadeiramente mais em tecnologias e em infra-estruturas físicas dispendiosas do que em sistemas de informação, serviços integrados, repositórios únicos e co-produção de valor através das TIC. “Gastou-se” muito dinheiro em tecnologia mas os efeitos na sociedade (outcomes) não tiveram o retorno proporcional (value for money).
Chegámos a uma situação limite em que a despesa pública não pode jamais crescer indefinidamente como até aqui e que, pelo contrário, vai ter de se reduzir de forma drástica. O alargamento da administração indirecta do estado, nomeadamente através da criação indiscriminada de institutos, agências, empresas públicas, fundações, ACE, etc, como forma de fugir ao controlo orçamental, de iludir os bloqueios à admissão de trabalhadores no sector público e como instrumento de multiplicação dos cargos de gestores públicos tem de ter um fim imediato.
Também o outsourcing está a ser cada vez mais questionado pelos custos que envolve, mas será que não vamos ter surpresas num futuro próximo? Numa conjuntura de fortes restrições financeiras, está-se a assistir a uma quebra significativa de contratação externa de serviços que se verificava até aqui (outsourcing parcial), devolvendo aos serviços da administração pública funções desde há muito entregues a empresas privadas (insourcing total), mesmo sem que se tivessem entretanto reforçado e consolidado funções de maior soberania (gestão, planeamento estratégico e arquitectura de sistemas de informação). Esta tendência irá porventura contribuir para uma demonstração de incompetência técnica operacional no curto prazo, seguida de uma possível retoma das funções operacionais, mas também de uma captura das funções de maior soberania do estado no âmbito dos sistemas e tecnologias da informação (outsourcing total). O risco de captura dos sistemas e tecnologias da informação (SI/TI) do estado existe e a situação precisa ser urgentemente equacionada politicamente e gerida ao mais alto nível.