A estratégia do atual governo parece contrariar todos os princípios e boas práticas de contratação externa de sistemas e tecnologias de informação (SI/TI). A gestão do outsorcing no Estado, suportada por algum “apoio espiritual” académico mal informado e deslumbrado pela ribalta política e mediática, está a seguir o caminho contrário ao que os maiores especialistas na gestão do outsourcing e que o próprio bom senso recomendam.
O Estado está a entregar e a centralizar em fornecedores e em produtos únicos sistemas de baixa especificidade de negócio (“pão com manteiga”) e em que existe muita oferta e diversidade de produtos e competências técnicas no mercado, como é o caso da gestão financeira, dos recursos humanos e dos recursos patrimoniais (ERP) e ainda da gestão documental, entre outros.
Esta entrega a fornecedores únicos de sistemas em que existe muita oferta e concorrência no mercado poderá ter uma redução de custos no curto prazo por razões de escala, mas conduz a médio e longo prazo a uma captura por parte dos fornecedores escolhidos e a uma dependência do Estado que irá com toda a certeza degenerar em custos finais muito mais elevados (TCO) e a uma perca de soberania a que nenhum país do mundo pode estar sujeito.
Dar o “pão com manteiga” a fornecedores únicos é um erro básico e de quem não sabe o que é gerir outsourcing. Trata-se de “commodities” ou de produtos de alto consumo em que se tem de apostar sobretudo em normas e mecanismos de interoperabilidade entre eles. Como recentemente recomendou Andrea di Maio do Gartner "Slow down on centralization. Re-empower agencies by focusing on commoditization and interoperability".
Bem basta os constrangimentos a que estamos sujeitos na dependência de maior longo prazo e no aumento de custos no outsorcing de sistemas que têm baixa oferta no mercado e de grande especificidade, como os sistemas fiscais, de segurança social, de justiça, de defesa e segurança interna, etc. Trata-se de “pratos gourmet” a que o Estado deverá ter a maior atenção, podendo nalguns casos reservar para si o controlo soberano ou até ter uma estratégia deliberada de insourcing com recursos técnicos e humanos próprios.
Esta quadro foi apresentado numa conferencia que efetuei há mais de 10 anos, e parece-me que está perfeitamente atualizado.
quinta-feira, dezembro 13, 2012
Será que a ´"Água" e o "Azeite" se podem misturar na AP?
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É incrível como a generalidade dos políticos de sucessivos
governos e até alguns académicos de referencia acreditam e propagam para a
sociedade que o cumprimento e o respeito pela lei, que deve orientar os valores
e a ação dos serviços públicos, não se mistura com a boa gestão, como se se
tratasse de água e azeite. Ou seja parece que na administração pública existe
uma incompatibilidade natural entre o “Princípio da Legalidade” e a “Boa
Gestão”.
Esta atitude fatalista e preconcebida baseada em crenças conduziram
o país a um descalabro institucional em que para se ser bom gestor na
administração pública se tem de ser “fora da lei”. A criação descontrolada de
institutos, agências, fundações e entidades empresariais é um testemunho desta
fuga à lei e aos mecanismos de controlo próprios de um Estado democrático.
Deixem-me usar uma metáfora, pois sou um alentejano que sabe
como a água e o azeite se podem misturar numa boa açorda se tivermos outros
ingredientes adequados como o alho e os coentros. Na cozinha mediterrânica esta
mistura saudável do azeite e da água é reconhecida em todo o mundo.
Também na administração pública é urgente acabar com este
preconceito e a crença de que não pode haver boa gestão com legalidade e que é
possível ter uma Governance que respeite os princípios do serviço público e da
democracia.
quinta-feira, novembro 08, 2012
Que venha um novo Robin dos Bosques
Se o Governo se continuar a comportar como um
verdadeiro Príncipe João dos tempos modernos, aumentando impostos para
alimentar a ganância financeira de uma Europa sem regulação nem
solidariedade, temos que ir todos para a floresta de Sherwood à procura
de um novo Robin dos Bosques, capaz de roubar aos ricos para dar aos
pobres e evitar que este país vá para o empobrecimento total.
Preservar o Serviço Universal
Um Estado que entra em concorrência com o mercado acaba por perder a sua identidade e a sua razão de ser enquanto serviço público, acabando quase sempre por distorcer as regras da concorrência à custa dos nossos impostos. Por razões ideológicas ou estritamente financeiras, estas actividades acabam mais cedo ou mais tarde por ser devolvidas à economia real, onde a lógica rapidamente deixa de ser o "serviço universal" com especial atenção para as classes Z, Y e X, para se concentrarem progressivamente naqueles que podem pagar e que pertencem às classes A, B e C, como se ensina aos "bons" gestores privados.
Para continuar a garantir o "serviço universal", deixando de ser um Estado Prestador para passar a ser um Estado Garante da prestação de serviços, o Estado tem que ser reforçado e credibilizado perante a sociedade, mas ao contrário ele está a ser denegrido e decapitado, acabando por ser capturado quase sempre pelos interesses privados, sempre à espreita para se apoderarem de monopólios naturais ou das necessidades básicas da população.
O discurso demagógico contra o Estado está na moda e não falta quem reduza as suas instituições aos "nossos impostos", mas, apesar de estarmos a ser espoliados para pagar erros crónicos de governação, continuo a acreditar mais nas instituições publicas do que nos interesses privados para gerir a sua recolha e a sua aplicação à sociedade. A continuar assim, vamos mesmo assistir à subcontratação da regulação, como já vai acontecendo nalguns sectores e na maioria dos gabinetes governamentais.
Será que vamos acabar por fazer também o outsourcing do Governo? Já faltou mais desde que a Troika assumiu o controlo do nosso país.
Porque o que actualmente se pretende é sobretudo reduzir a despesa pública em 4 mil milhões de euros, chamo à atenção que foi exactamente a desconfiança nas instituições e no funcionalismo público que fez com que os sucessivos governos criassem administrações paralelas e as enchessem de clientelas político-partidárias.
Mais do que "refundar" o Estado é necessário corrigir os caminhos tortuosos que nos fizeram chegar até aqui
Para continuar a garantir o "serviço universal", deixando de ser um Estado Prestador para passar a ser um Estado Garante da prestação de serviços, o Estado tem que ser reforçado e credibilizado perante a sociedade, mas ao contrário ele está a ser denegrido e decapitado, acabando por ser capturado quase sempre pelos interesses privados, sempre à espreita para se apoderarem de monopólios naturais ou das necessidades básicas da população.
O discurso demagógico contra o Estado está na moda e não falta quem reduza as suas instituições aos "nossos impostos", mas, apesar de estarmos a ser espoliados para pagar erros crónicos de governação, continuo a acreditar mais nas instituições publicas do que nos interesses privados para gerir a sua recolha e a sua aplicação à sociedade. A continuar assim, vamos mesmo assistir à subcontratação da regulação, como já vai acontecendo nalguns sectores e na maioria dos gabinetes governamentais.
Será que vamos acabar por fazer também o outsourcing do Governo? Já faltou mais desde que a Troika assumiu o controlo do nosso país.
Porque o que actualmente se pretende é sobretudo reduzir a despesa pública em 4 mil milhões de euros, chamo à atenção que foi exactamente a desconfiança nas instituições e no funcionalismo público que fez com que os sucessivos governos criassem administrações paralelas e as enchessem de clientelas político-partidárias.
Mais do que "refundar" o Estado é necessário corrigir os caminhos tortuosos que nos fizeram chegar até aqui
Sector Público ou Sector Privado?
Nas actuais propostas de "refundação" do Estado, fala-se muito na escola publica e na escola privada e na necessidade de se poder dar liberdade de escolha aos cidadãos.
Com efeito, desde há muitos anos que nos habituámos a ver os mais ricos a pagarem o ensino primário e secundário privado de maior qualidade aos filhos, para mais tarde poderem beneficiar de um ensino superior público mais barato e com melhor empregabilidade, enquanto os mais pobres acabam quase sempre por seguir o percurso inverso, começando nas escolas primárias e secundárias publicas, para vir mais tarde a acabar nas escolas de ensino superior privadas mais dispendiosas e de menor qualidade. Tudo isto faz parte do processo de fractura social que se tem agravado nos últimos anos, aproximando-se cada vez mais do modelo norte-americano do que do modelo europeu.
Na saúde, o principio da universalidade da prestação dos cuidados tem sido um dos activos do SNS, mas não falta quem questione o sistema actual, para dar lugar a uma liberdade de escolha contributiva e de prestação de serviços, assente por um lado num sistema de seguradoras para ricos, libertando-os de qualquer esforço solidário contributivo para o sistema público e por outro ir-se-ia degradando o SNS, o qual passaria a pertencer apenas ao universo dos pobres, numa lógica estritamente assistencialista e de caridadezinha. Mais uma vez nos estaríamos a aproximar cada vez mais do modelo norte-americano (pré Obama) e a afastarmo-nos do modelo europeu do SNS.
Fala-se em estimular a concorrência entre o sector publico e o sector privado, mas porque os argumentos são apenas financeiros, não sabemos como se vão pagar os chamados "vouchers" ou títulos de compra de um serviço aos que mais precisam, mas sobretudo não sabemos como se vão manter actividades que vão para além da mera prestação de serviços e que actualmente quase que são da exclusividade do sistema publico, como a investigação e a resolução de casos complexos que vão para além dos acordos de nível de serviço e que no futuro nenhum sistema publico ou privado, numa lógica estritamente mercantilista, passaria a acolher com agrado.
Com efeito, desde há muitos anos que nos habituámos a ver os mais ricos a pagarem o ensino primário e secundário privado de maior qualidade aos filhos, para mais tarde poderem beneficiar de um ensino superior público mais barato e com melhor empregabilidade, enquanto os mais pobres acabam quase sempre por seguir o percurso inverso, começando nas escolas primárias e secundárias publicas, para vir mais tarde a acabar nas escolas de ensino superior privadas mais dispendiosas e de menor qualidade. Tudo isto faz parte do processo de fractura social que se tem agravado nos últimos anos, aproximando-se cada vez mais do modelo norte-americano do que do modelo europeu.
Na saúde, o principio da universalidade da prestação dos cuidados tem sido um dos activos do SNS, mas não falta quem questione o sistema actual, para dar lugar a uma liberdade de escolha contributiva e de prestação de serviços, assente por um lado num sistema de seguradoras para ricos, libertando-os de qualquer esforço solidário contributivo para o sistema público e por outro ir-se-ia degradando o SNS, o qual passaria a pertencer apenas ao universo dos pobres, numa lógica estritamente assistencialista e de caridadezinha. Mais uma vez nos estaríamos a aproximar cada vez mais do modelo norte-americano (pré Obama) e a afastarmo-nos do modelo europeu do SNS.
Fala-se em estimular a concorrência entre o sector publico e o sector privado, mas porque os argumentos são apenas financeiros, não sabemos como se vão pagar os chamados "vouchers" ou títulos de compra de um serviço aos que mais precisam, mas sobretudo não sabemos como se vão manter actividades que vão para além da mera prestação de serviços e que actualmente quase que são da exclusividade do sistema publico, como a investigação e a resolução de casos complexos que vão para além dos acordos de nível de serviço e que no futuro nenhum sistema publico ou privado, numa lógica estritamente mercantilista, passaria a acolher com agrado.
“Nova Gestão Pública” ou “Novo Serviço Público”?
Numa altura em que parece reinar a confusão sobre o que deve ser o “Serviço Público” e em que se fazem propostas para a sua “refundação”, é interessante recordar os princípios que deverão orientar o chamado “Novo Serviço Público”, propostos por Robert e Janet Denhardt em 2000, como resposta ao enorme fracasso do modelo neo-liberal que inspirou a “Nova Gestão Pública”, criada há 30 anos a partir das ideias de Margaret Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos EUA.
Vejamos quais os sete princípios que devem orientar o “Novo Serviço Público”:
O actual Governo quer incentivar a concorrência entre o sector público e o sector privado, criando mais empresas de faz de conta, como se o número de empresas públicas, institutos, agências e fundações que vivem à rédea solta não fossem já suficientes.
Repito o que disse há dias: Como se pode “refundar” um Estado que se foi decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for, pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando as condições propícias para esta captura desenfreada.
Vejamos quais os sete princípios que devem orientar o “Novo Serviço Público”:
- Servir em vez de dirigir
- O interesse publico é o propósito, não o subproduto
- Pensar estrategicamente, agir democraticamente
- Servir cidadãos, não consumidores
- A responsabilização não é simples
- Valorizar as pessoas, não somente a produtividade
- Valorizar a cidadania e o serviço publico mais do que o empreendedorismo.
- Está a mandar em vez de servir
- Está a colocar os interesses privados à frente do interesse público
- Só vê o curto prazo e está a agir contra a democracia
- Vê os cidadãos como meros consumidores de serviços públicos
- Não responsabiliza seriamente os culpados
- Esquece que são as pessoas que alcançam a produtividade
- Não valoriza a cidadania nem o serviço público
O actual Governo quer incentivar a concorrência entre o sector público e o sector privado, criando mais empresas de faz de conta, como se o número de empresas públicas, institutos, agências e fundações que vivem à rédea solta não fossem já suficientes.
Repito o que disse há dias: Como se pode “refundar” um Estado que se foi decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for, pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando as condições propícias para esta captura desenfreada.
"Refundar" um Estado decapitado?
Como se pode “refundar” um Estado que se foi
decapitando ao longo dos últimos anos? Um Estado fraco não pode
desintervir, contratar serviços, nem mesmo privatizar seja o que for,
pois corre o risco de ser capturado por grupos económicos e oportunistas
sem escrúpulos, que entram e saem do Governo a seu belo prazer, criando
as condições propícias para esta captura desenfreada.
Em vez de se cortarem as gorduras do Estado, estão-se a cortar as cabeças e os órgãos vitais de suporte à governação, por isso não nos podemos admirar que o país esteja doente e à beira de um colapso.
Em vez de se cortarem as gorduras do Estado, estão-se a cortar as cabeças e os órgãos vitais de suporte à governação, por isso não nos podemos admirar que o país esteja doente e à beira de um colapso.
Se existe alguma coisa a dar
prioridade de imediato é o reforço das competências de regulação, de
gestão, de planeamento, de arquitectura de sistemas de informação, entre
outras funções mais ligadas à inteligência e à soberania do Estado e
menos à execução e à prestação de serviços que mais tarde poderão ser
devolvidos de forma regulada à economia real.
Parece um paradoxo, mas neste momento é necessário restaurar o poder do Estado em vez de o fragilizar ainda mais.
Parece um paradoxo, mas neste momento é necessário restaurar o poder do Estado em vez de o fragilizar ainda mais.
O "hotel de alta rotatividade"
A Administração Pública nos últimos anos
parece cada vez mais um "hotel de alta rotatividade", onde quem por lá
passa se aproveita de alguns momentos de poder e de prazer, mas tem
vergonha de ser confundido com os que já lá estão há mais tempo.
São já muitos os hotéis de luxo (empresas públicas, agências, institutos e fundações), criados para fugir ao controlo orçamental e pagar favores políticos a quem os vai dirigir e a quem por lá passa durante uma pequena temporada. Remunera-se a belo prazer alguns destes passantes com valores que estão totalmente a contra ciclo do que actualmente se paga na economia real. Vão-se buscar alguns especialistas às empresas fornecedoras de serviços, substituindo-se a estas e entrando de forma despudorada em concorrência desleal com o mercado privado. Será assim que se pretende “refundar” o Estado?
São já muitos os hotéis de luxo (empresas públicas, agências, institutos e fundações), criados para fugir ao controlo orçamental e pagar favores políticos a quem os vai dirigir e a quem por lá passa durante uma pequena temporada. Remunera-se a belo prazer alguns destes passantes com valores que estão totalmente a contra ciclo do que actualmente se paga na economia real. Vão-se buscar alguns especialistas às empresas fornecedoras de serviços, substituindo-se a estas e entrando de forma despudorada em concorrência desleal com o mercado privado. Será assim que se pretende “refundar” o Estado?
Não
admira que a despesa pública esteja descontrolada, pois enquanto esta
aparente gestão privada continuar a reclamar para si maior autonomia e
estiver a actuar na esfera pública com caprichos e desmandos de quem
facilmente se deslumbra com o poder, o Estado continuará a ser um
sorvedouro de recursos públicos que resiste à transparência e à
prestação de contas.
O actual Governo pretende capturar a Administração Pública
Depois de assistir na passada sexta feira, no âmbito do Cidadania 2.0, à apresentação do Portal do Governo (http://www.portugal.gov.pt/), pela drª Marta Sousa que, para além de responsável pela imagem do Governo, é coordenadora da estratégia
das TIC na Administração Pública portuguesa, ficou claro que o actual
Governo pretende capturar a Administração Pública e confunde a política
de uma legislatura com a continuidade e a independência do aparelho do
Estado que deverá estar disponível e preparado técnica e eticamente para
executar qualquer programa de Governo eleito democraticamente.
Na
Internet já não existem ministérios mas apenas ministros e o culto da
sua imagem política. Calaram-se os ministérios enquanto instituições
capazes de preservar a memória e dar continuidade ao cumprimento de
políticas públicas. Já não existem arquivos históricos relativos aos
governos anteriores e já não sabemos até que ponto é que se vai calar a
administração pública na sua vocação de servir o cidadão
independentemente dos vários ciclos legislativos.
Durante a minha vida como funcionário público trespassei 25 governos diferentes e habituei-me, nas minhas áreas de competência, a cumprir técnica e eticamente os respectivos programas e as Grandes Opções do Plano (GOPs) que sustentavam os vários orçamentos. Contribuí com o meu esforço e dedicação para ciclos governamentais diferentes, preservando sempre que possível objectivos mais estruturantes e que iam muito para além de cada legislatura, através de propostas inovadoras e intemporais.
O juramento do funcionário público obrigava a “cumprir com lealdade as funções que lhe eram confiadas”, ao mesmo tempo que aprendíamos desde muito cedo a preservar valores de serviço público e a manter a neutralidade e imparcialidade de tratamento capazes de impedir o aparecimento de interesses pessoais ou particulares. Hoje parece que tudo isto ficou esquecido e parece que a sobrevivência e o sucesso dos novos “trabalhadores em funções públicas” depende acima de tudo da conquista do poder e da “politics” (política partidária) e não da assumpção das “policies” (políticas públicas) discutidas e sufragadas pela sociedade.
A estética e a sofisticação tecnológica do novo portal do Governo parece deslumbrar os políticos e alguns eleitores mal avisados sobre o perigo da promiscuidade entre a política e a máquina do Estado. O próprio CEGER, que era o serviço que garantia a continuidade e a passagem de testemunhos entre os vários governos, através da gestão de várias plataformas tecnológicas, parece estar arredado deste novo portal, passando a ser substituído pela contratação a peso de ouro de meros instrumentos de propaganda circunstanciais e de fachada.
Quer dar-se como exemplo outros governos como os do Reino Unido, dos EUA, da Austrália, do Canadá ou da vizinha Espanha, mas esquecem-se que nesses países a separação entre a classe política e a administração pública faz parte da maturidade das suas instituições e do funcionamento das suas democracias. Conheço pessoalmente muitos dos responsáveis destas administrações públicas que estão por detrás desses portais e da sua capacidade para suster a tentação da captura do Estado por parte da classe política que vai passando em cada ciclo legislativo, mas o exemplo destas instituições e do seu back office parece passar despercebido aos consultores de imagem do actual Governo de Portugal.
Durante a minha vida como funcionário público trespassei 25 governos diferentes e habituei-me, nas minhas áreas de competência, a cumprir técnica e eticamente os respectivos programas e as Grandes Opções do Plano (GOPs) que sustentavam os vários orçamentos. Contribuí com o meu esforço e dedicação para ciclos governamentais diferentes, preservando sempre que possível objectivos mais estruturantes e que iam muito para além de cada legislatura, através de propostas inovadoras e intemporais.
O juramento do funcionário público obrigava a “cumprir com lealdade as funções que lhe eram confiadas”, ao mesmo tempo que aprendíamos desde muito cedo a preservar valores de serviço público e a manter a neutralidade e imparcialidade de tratamento capazes de impedir o aparecimento de interesses pessoais ou particulares. Hoje parece que tudo isto ficou esquecido e parece que a sobrevivência e o sucesso dos novos “trabalhadores em funções públicas” depende acima de tudo da conquista do poder e da “politics” (política partidária) e não da assumpção das “policies” (políticas públicas) discutidas e sufragadas pela sociedade.
A estética e a sofisticação tecnológica do novo portal do Governo parece deslumbrar os políticos e alguns eleitores mal avisados sobre o perigo da promiscuidade entre a política e a máquina do Estado. O próprio CEGER, que era o serviço que garantia a continuidade e a passagem de testemunhos entre os vários governos, através da gestão de várias plataformas tecnológicas, parece estar arredado deste novo portal, passando a ser substituído pela contratação a peso de ouro de meros instrumentos de propaganda circunstanciais e de fachada.
Quer dar-se como exemplo outros governos como os do Reino Unido, dos EUA, da Austrália, do Canadá ou da vizinha Espanha, mas esquecem-se que nesses países a separação entre a classe política e a administração pública faz parte da maturidade das suas instituições e do funcionamento das suas democracias. Conheço pessoalmente muitos dos responsáveis destas administrações públicas que estão por detrás desses portais e da sua capacidade para suster a tentação da captura do Estado por parte da classe política que vai passando em cada ciclo legislativo, mas o exemplo destas instituições e do seu back office parece passar despercebido aos consultores de imagem do actual Governo de Portugal.
Vejam os exemplos e as diferenças Austrália http://australia.gov.au/, Reino Unido https://www.gov.uk/, EUA http://www.usa.gov/, etc. Mesmo o Governo de Espanha e o site La Moncloa mantém a mesma imagem institucional ao longo de vários governos http://www.lamoncloa.gob.es/ .
A
captura política de iniciativas que deveriam ser estruturais e de
interesse nacional conduz à falência de boas ideias. Por exemplo quem se
lembra hoje do SIMPLEX? Será que o actual Governo se esqueceu de lhe
dar continuidade ou pura e simplesmente o deixou cair porque esta
iniciativa não foi criada por ele ("Not invented here"). Ao longo da
minha vida já vi repetidas vezes este filme. O INFOCID por exemplo
sobreviveu a quatro governos mas foi re-inventado em 2004 apenas para
servir propósitos políticos. Ainda hoje me perguntam a partir de vários países
porque é que o INFOCID acabou, quando foi o primeiro portal em todo o
mundo a privilegiar a perspectiva do cidadão em 1989, através da
cooperação de 52 organismos de todos os ministérios para os vários
eventos de vida. Nessa altura a Administração Pública tinha iniciativas e
não se deixava vergar à propagandistas políticos.
segunda-feira, outubro 29, 2012
Paradoxos de um Estado que está a destruir a economia portuguesa!
Cada vez se assiste mais à destruição massiva
das empresas portuguesas de software, sobretudo por parte do actual
governo que prefere aumentar a quota do mercado das grandes
multinacionais que operam em Portugal em detrimento da adopção de
soluções nacionais capazes de gerar valor para a nossa economia.
Será interessante verificar no final deste ano quais os custos das aquisições efectuadas a empresas multinacionais e a empresas nacionais, quando todos sabemos que as licenças de software adquiridas ao estrangeiro são meras importações que transferem para fora do país mais de 80% do valor pago por todos nós, enquanto as licenças pagas a empresas portuguesas são um reforço da nossa economia e uma capacitação para aumentar as nossas exportações.
Será interessante verificar no final deste ano quais os custos das aquisições efectuadas a empresas multinacionais e a empresas nacionais, quando todos sabemos que as licenças de software adquiridas ao estrangeiro são meras importações que transferem para fora do país mais de 80% do valor pago por todos nós, enquanto as licenças pagas a empresas portuguesas são um reforço da nossa economia e uma capacitação para aumentar as nossas exportações.
Chega-se ao cúmulo de fazer adjudicações directas a multinacionais, que
por trás vão subcontratar pequenas empresas portuguesas que entretanto
foram descartadas pelo Estado e a quem se pede que reinventem tudo de
novo.
Numa altura em que a ordem é poupar, obriga-se os pequenos organismos a cancelar contratos com empresas portuguesas e despeja-se dinheiro a rodos nos maiores organismos de informática do Estado, que estão cada vez mais reféns das grandes multinacionais, desrespeitando leis da Assembleia da República de generalização do software livre na administração pública e as regras mínimas de contratação pública.
Quer-se reduzir em cerca de 550 milhões de euros anuais a factura em TIC no Estado, mas parece que isso só se aplica às empresas portuguesas que ainda têm a coragem de vender ao sector público.
Muitos são os lamentos de empresários portugueses que se querem ver livres de contratos com um Estado que cada vez mais os sufoca em favor dos grandes lobbies multinacionais. Algumas das empresas mais inovadoras deste país que trabalham para o Estado já estão a colocar metas no sentido de deixar de vender ao sector público no curto prazo e no médio prazo trabalhar apenas para o mercado internacional, preferindo nessa altura deslocalizar as suas sedes para outros países onde a governação é mais séria e previsível.
Numa altura em que a ordem é poupar, obriga-se os pequenos organismos a cancelar contratos com empresas portuguesas e despeja-se dinheiro a rodos nos maiores organismos de informática do Estado, que estão cada vez mais reféns das grandes multinacionais, desrespeitando leis da Assembleia da República de generalização do software livre na administração pública e as regras mínimas de contratação pública.
Quer-se reduzir em cerca de 550 milhões de euros anuais a factura em TIC no Estado, mas parece que isso só se aplica às empresas portuguesas que ainda têm a coragem de vender ao sector público.
Muitos são os lamentos de empresários portugueses que se querem ver livres de contratos com um Estado que cada vez mais os sufoca em favor dos grandes lobbies multinacionais. Algumas das empresas mais inovadoras deste país que trabalham para o Estado já estão a colocar metas no sentido de deixar de vender ao sector público no curto prazo e no médio prazo trabalhar apenas para o mercado internacional, preferindo nessa altura deslocalizar as suas sedes para outros países onde a governação é mais séria e previsível.
sexta-feira, julho 06, 2012
Linhas Orientadoras e Estratégicas para o Cadastro e a Gestão Rural
Finalmente temos uma luz ao fundo do túnel em relação à representação do
território. Foi ontem publicada em Diário da República a Resolução do
Conselho de Ministros n.º 56/2012 que aprova as Linhas Orientadoras e
Estratégicas para o Cadastro e a Gestão Rural http://goo.gl/t2Lfx
Será que é o ponto de partida para um Cadastro multifuncional ou mais
uma iniciativa dispersa apenas para finalidades rurais? Eu gostaria mais
que se tratasse do Cadastro da Propriedade (rústico e urbano).
Seria bom que se integrassem algumas empresas que ainda estão na mão do sector publico, como é o caso dos CTT e das Águas de Portugal, por forma aproveitar muito do trabalho que tem sido efectuado neste âmbito, nomeadamente em relação aos códigos postais e à rede de águas. Também se deveriam envolver outras utilities que já deixaram de ser públicas, nomeadamente na área da energia e das telecomunicações, as quais só beneficiariam com a criação de uma infraestrutura única do território português e por isso podem dar neste momento um contributo importante em recursos e competências técnicas para este verdadeiro desígnio nacional.
Está na hora de definir de uma vez por todas o que são "Dados Abertos" no domínio da informação geográfica e que não se continue numa política mesquinha de sustentabilidade financeira de alguns organismos através da venda de dados que deveriam ser públicos em favor do desenvolvimento da economia do país. Está na hora também de cumprir directivas comunitárias como o INSPIRE. Seria bom tornar público o estudo do Prof Augusto Mateus sobre o retorno do investimento no SINERGIC
Seria bom que se integrassem algumas empresas que ainda estão na mão do sector publico, como é o caso dos CTT e das Águas de Portugal, por forma aproveitar muito do trabalho que tem sido efectuado neste âmbito, nomeadamente em relação aos códigos postais e à rede de águas. Também se deveriam envolver outras utilities que já deixaram de ser públicas, nomeadamente na área da energia e das telecomunicações, as quais só beneficiariam com a criação de uma infraestrutura única do território português e por isso podem dar neste momento um contributo importante em recursos e competências técnicas para este verdadeiro desígnio nacional.
Está na hora de definir de uma vez por todas o que são "Dados Abertos" no domínio da informação geográfica e que não se continue numa política mesquinha de sustentabilidade financeira de alguns organismos através da venda de dados que deveriam ser públicos em favor do desenvolvimento da economia do país. Está na hora também de cumprir directivas comunitárias como o INSPIRE. Seria bom tornar público o estudo do Prof Augusto Mateus sobre o retorno do investimento no SINERGIC
quinta-feira, julho 05, 2012
Coordenação das TIC na Administração Pública
Coordenar as TIC na administração pública, mesmo estando próximo do
Poder, é antes de tudo SERVIR e muito menos MANDAR. A autoridade
obtém-se com a credibilidade de ajudar os organismos em tarefas
transversais que eles sozinhos são incapazes de assegurar (arquitectura
de dados, semânticas, repositórios comuns, interoperabilidade, promoção
de uma visão global, integração dos planos sectoriais, orientação
aos eventos de vida, etc.). A coordenação deve ser desejada. Os planos
sectoriais só fazem sentido se as grandes linhas estratégicas estiverem
claras e se existir à partida um enquadramento arquitectónico global.
Caso contrário os planos sectoriais não passam de "feiras de vaidades"
protegidas pelos respectivos ministros, para legitimar orçamentos e
singularidades que apenas servem para alimentar espirais despesistas e
territórios de poder.
Diagnóstico das TIC na Administração Pública
O levantamento das TIC da administração pública portuguesa começou a ser
feito "pro bono" por uma única empresa, a quem se deu acesso a toda a
informação privilegiada a instalações, recursos, contratos, aplicações,
etc. Quando se está no poder fica-se muito deslumbrado com os "almoços
grátis" e as "borlas" muito convenientes. Trata-se de um insulto para a
própria administração pública que, apesar de
possuir mais de 600 mil funcionários, é colocada de lado para se
encomendar ao exterior um mero levantamento da situação actual das suas
infraestruturas TIC. Depois de concluído o levantamento de 4
ministérios, parece que agora se pretende emendar a mão entregando às
associações do sector o trabalho de levantamento dos ministérios que
faltam, como se se quisesse "branquear" o que foi feito. É pouco ético
passar para as associações a responsabilidade da escolha de fornecedores
de serviços. Bastaria pagar e tornar públicos os instrumentos de
análise e fazer o levantamento do "as is" com os recursos internos. De
notar que manda a ética e as boas práticas que uma empresa que executa
um diagnóstico deve ficar impedida de se envolver na implementação. Onde
estão os reguladores que se deveriam preocupar com estas coisas
(ANACOM, Autoridade da Concorrência, etc.)?
terça-feira, janeiro 10, 2012
Paradoxos na gestão dos recursos do Estado - A inversão de prioridades no uso das TIC
Portugal tem
vindo nos últimos trinta anos a sofrer influências da chamada “nova gestão
pública”, visando a passagem de estruturas tradicionais, baseadas no estrito
cumprimento de normas, actuando em monopólio, hierarquizadas e caracterizadas
pela estabilidade e previsibilidade, para estruturas pós-burocráticas
tendencialmente mais eficientes, actuando num ambiente de concorrência e
competição entre agentes públicos e privados e num sistema orgânico orientado
para o “cliente”, colocando maior ênfase na mudança, na inovação e na produção
de produtos e serviços públicos. Era suposto que as antigas direcções gerais
fossem sendo divididas em pequenos centros de estudo e formação de políticas
públicas, que permanecessem na administração directa do estado, transferindo-se
as actividades operacionais para um conjunto de serviços satélites, no âmbito
da administração indirecta do estado, capazes de implementar essas políticas e
preparar-se para uma possível privatização futura. Seria suposto que se
tornassem claros os papéis das unidades estratégicas em relação às unidades
operacionais, permitindo uma maior clarificação dos limites entre o sector
público e o sector privado.
A passagem de
um modelo burocrático tradicional para um modelo pós-burocrático nunca chegou
verdadeiramente a acontecer em Portugal, tendo-se persistido em sinais
tradicionais através da actuação centralizada e em monopólio a par de uma
empresarialização fora de controlo, com unidades independentes que se foram
apropriando de competências estratégicas e regulatórias, muito para além das
tarefas operacionais específicas da administração indirecta estado. O XIX
Governo está a ter uma prática contraditória com o modelo pós-burocrático, ao
retirar autonomias aos vários níveis do sector estado, nomeadamente convertendo
empresas em institutos e institutos em direcções-gerais, pretendendo deste modo
vigiar de perto os recursos que estiveram fora de controlo nos últimos anos.
Quando um Governo chega ao poder,
sobretudo num período de crise como este, deveria fazer algumas perguntas
prioritárias, se quisesse tomar decisões com alguma objectividade: Quantos
funcionários públicos temos, onde estão, que categorias, qual a idade, qual a
antiguidade, quanto custam, o que fazem? Que dinheiro existe, onde está, quais
os compromissos, quanto devemos? Que património possuímos, onde está, qual o
valor, qual a antiguidade e estado de conservação? As respostas deveriam ser únicas,
certeiras e concertadas entre os diversos organismos horizontais que seria
suposto disporem de fontes de informação fiáveis e sincronizadas, capazes de
responder prontamente a estas perguntas, tais como a DGO - Direcção Geral do
Orçamento, a DGAEP - Direcção Geral da Administração e do Emprego Público, a DGT - Direcção Geral do Tesouro, CGA – Caixa
Geral de Aposentações e a GERAP - Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da .
Desde o início dos anos 90 com o
aparecimento da RAFE (Reforma Financeira do Estado) e das suas aplicações SIC e
SRH, bem como da unidade de tesouraria, que se teve uma preocupação de controlo
universal dos recursos da administração pública. No início da implementação do
POCP / RIGORE a par da criação do SIGRAP (Sistema de Gestão dos Recursos da AP)
no âmbito do Sistema de Controlo Interno, aprovado por Manuela Ferreira Leite
em Janeiro de 2003, houve um reforço da preocupação no controlo financeiro de
todos os subsectores do Estado onde circulavam dinheiros públicos. No domínio
dos recursos humanos, a BDAP, criada no final dos anos 90 a cargo do Instituto
de Gestão da Base de Dados dos Recursos Humanos da Administração Pública e mais
tarde retomada em 2003 pela DGAEP e pelo II/MFAP, foi uma boa tentativa de
alargar o conhecimento dos recursos humanos afectos à administração pública
central, regional e local e aos serviços e fundos autónomos, ficando de fora
apenas o sector público empresarial. Esta iniciativa teve também o mérito de
criar normas de interoperabilidade com o SRH e outros ERP em uso no sector
público, o que tornou a universalidade dos dados mais fácil e rápida de
alcançar. Os últimos dados efectivos deste sistema semiautomático remontam a
2005.
Com a criação da GERAP em 2007,
todo este processo de cobrir a totalidade dos recursos financeiros e humanos
foi interrompido e enveredou-se por uma estratégia em sentido inverso, com uma
preocupação centrada na implementação de ERP departamentais e pela venda avulsa
destes serviços e aplicações aos organismos. A universalidade e a consequente
gestão global dos recursos do estado deixou de ser uma prioridade, numa altura
em que seria mais necessária, não apenas pelo contexto de crise, mas também devido
à passagem acelerada nos últimos 10 anos dos organismos da administração directa
para a administração indirecta do estado, de forma deliberada mas também
descontrolada. A própria unidade de tesouraria que foi uma tónica da RAFE nos
anos 90 está a ser posta em causa, como têm sido referido nos relatórios do
Tribunal de Contas sobre as contas no Tesouro, que não chegam a incluir 6% das
empresas públicas, desrespeitando o princípio da unidade de tesouraria imposto
pela União Europeia.
Nos recursos humanos, a BDAP
http://www.bdap.min-financas.pt, que seria suposto estar permanentemente actualizada,
teve a sua última actualização a 6 de Julho de 2007, pouco tempo depois da
criação da GERAP. Nos recursos financeiros e patrimoniais, foi também suspenso
em 2007 o SIGRAP – Sistema de Informação de Gestão dos Recursos da
Administração Pública, criado no âmbito do Sistema de Controlo Interno durante
o período de Manuela Ferreira Leite. A estratégia de adopção de um sistema ERP
único para toda a administração pública gerido pela GERAP, fez esquecer a
necessidade de criar condições de interoperabilidade entre os sistemas
departamentais existentes e o sistema central. O “negócio” da GERAP ofuscou
completamente a gestão global dos recursos do estado, passando a ser uma
“agência de vendas” de pacotes SAP, à procura de um “mercado” sem fim à vista. A
GERAP, para além de não ter cumprido o seu papel, quase destruiu a DGAEP e o
Instituto de Informática e abalou seriamente o funcionamento da DGO. É fácil
ser “Fornecedor” quando os “Clientes” são obrigados a comprar e quando quem
devia regular este “mercado” é desautorizado e fragilizado nas suas
competências (DGAEP, DGO, etc.).
Está-se a olhar para algumas
árvores do nosso quintal em vez de se ver a totalidade da floresta do nosso
território e infelizmente confunde-se autonomia e desorçamentação com descontrolo
dos recursos do estado. É preciso inverter quanto antes este caminho: A aposta
deverá centrar-se na criação de mecanismos de interoperabilidade entre a
diversidade dos sistemas locais e os sistemas centrais suportados na
concertação semântica e em ferramentas adequadas de business intelligence.
O conceito de Serviços
Partilhados, introduzido em 2005 na gestão dos recursos da administração
pública pelo Instituto de Informática, foi totalmente deturpado pela GERAP,
passando a ser uma apropriação centralista e autoritária de recursos sem qualquer
regulação institucional ou de mercado. Desde 2007, todas as atenções e
prioridades se viraram para a “venda” em monopólio de ERP locais e espaço de
computador, num exercício de autolegitimação para impressionar o poder
político, que busca desesperadamente soluções para a redução do défice.
Qualquer empresa portuguesa na
área dos sistemas de gestão (ERP) está impedida de vender serviços ao estado, a
não ser que seja SAP. Em benchmarkings
recentes a GERAP apresentou custos que vão para além do dobro dos custos de
outras soluções disponíveis no mercado português e os prazos para instalação do
GeRFiP e do GeRHuP vão para lá dos dois anos, por incapacidade manifesta de
resposta às solicitações dos organismos. O estado está, através da GERAP, a
concorrer directamente com o sector privado, viciando o jogo através da reserva
de normas de interoperabilidade semântica, que deveriam ser totalmente públicas
e transparentes, bloqueando a fluidez dos dados entre os vários sistemas locais
e a camada estratégica dos sistemas centrais e impedindo o funcionamento em
tempo real da gestão dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais do estado,
de suporte fiável às políticas públicas em curso.
Como vai ser possível ter rigor
na Governance e no controlo global dos recursos da administração pública? Como
se vão fazer os próximos Orçamentos? Como se vai fechar a Conta? Quantos são os
trabalhadores do estado? Como gerir as carreiras de pessoal e responder às pressões
corporativas em tempo de crise? Qual o valor patrimonial do estado? Para quando
uma balanço do estado? Para quando o controlo efectivo da Despesa Pública?
Texto publicado no dia 10 de Janeiro de 2012 no Tek.Sapo
segunda-feira, janeiro 09, 2012
A soberania do estado na era do Cloud Computing - Privatização e inversão de prioridades na gestão dos recursos de SI/TI
A administração
pública portuguesa, apesar dos processos de modernização e reforma a que foi
sujeita nos últimos quarenta anos, ainda traduz alguns dos legados históricos
que caracterizaram a formação dos estados modernos da Europa, desde a formação
das estruturas inspiradas nas instituições militares e jurídicas do antigo
império romano, passando pelos valores, normas e hierarquias da igreja
católica, até chegarmos ao processo de criação do espaço institucional e
administrativo dos modernos estados europeus.
Tal como no
passado, a consolidação dos estados modernos passou pela destruição dos poderes
tradicionais e regionais, tentando substituir a organização marcadamente
patrimonialista por uma organização tendencialmente mais profissional e
impessoal, as reformas que estão hoje a ser encetadas não são muito diferentes
das que se foram verificando ao longo de todo o processo histórico de afirmação
dos estados soberanos e independentes, através da concentração do poder e do
domínio dos recursos públicos.
Hoje já não se
trata de suseranos feudais mas de novas corporações e lobbies nacionais e transnacionais que voltam a ameaçar as
soberanias e as independências do estados actuais, sem esquecer a tendência
sempre constante para a desagregação por excessiva departamentalização das
estruturas internas da administração pública, fortemente acentuada nos últimos
trinta anos pela chamada “nova gestão pública” (New Public Management), através do agenciamento e empresarialização
que este modelo dogmatizou com um cariz acentuadamente político e liberal.
Se por um lado
as tecnologias estão cada vez mais a possibilitar a integração e a
interoperabilidade dos processos interdepartamentais orientados para os eventos
de vida dos cidadãos e agentes económicos, paradoxalmente a sucessão dos ciclos
políticos e a excessiva departamentalização e empresarialização interrompem e
atrasam fortemente a evolução do e-Government
para estágios mais maduros e evoluídos de serviços que se pretendem progressivamente
mais personalizados, mais proactivos, mais eficazes, mais baratos e mais fáceis
de usufruir.
A nova gestão
pública, que os últimos governos tentaram implementar de forma mais ou menos
encoberta e que actualmente se acentuou de forma mais explícita, seria suposto
que valorizasse a privatização de actividades menos soberanas e susceptíveis de
poderem ser devolvidas à economia real, promovendo um estado mais reduzido e
menos pesado para os contribuintes e libertando “áreas de negócio” que fossem
interessantes e rentáveis para a sociedade. As TIC do sector público desde há
muito que são, para as empresas do sector, um alvo apetecível para a
privatização, uma vez que a externalização parcial já se vem acentuando nos
últimos vinte anos através do outsourcing
de serviços técnicos especializados difíceis de encontrar e reter no
interior do aparelho do estado. Com efeito, já se está a passar hoje em dia de
uma fase tímida de outsourcing
parcial para um novo estágio de outsourcing
completo de processos de negócio (Business
Process Outsourcing). Mas como é que isto se está a passar?
As tecnologias
da informação e comunicação poder-se-iam constituir em instrumentos mais ou
menos soberanos consoante se aproximam das áreas estratégicas e substantivas da
administração pública, específicas de cada ministério, ou se constituem em
recursos indiferenciados e menos específicos do sector público, como é o caso
da actividades administrativas e instrumentais da gestão de recursos humanos,
financeiros e patrimoniais, assim como os serviços de alojamento (hosting) e de gestão de equipamentos e
redes. Na perspectiva de Nicholas Carr, trata-se de reter as TI que diferenciam
o sector e “realmente interessam” (IT
really matters) e descartar para fora as TI que verdadeiramente “não
interessam” (IT doesn’t matter).
O
deslumbramento político e a sobrevalorização da tecnologia como instrumento de
reforma do estado e de obtenção de resultados a curto prazo, transformaram a
“informática”, nos últimos dez anos, num instrumento de poder e num recurso a
ser capturado pelas várias áreas políticas, capaz de alimentar as suas “feiras
de vaidades” e justificar avultados orçamentos, que chegaram aos mil milhões de
euros anuais. Esta euforia toldou o raciocínio e a capacidade de gerir e
diferenciar as várias tecnologias e os vários sistemas de informação. Pensou-se
verdadeiramente mais em tecnologias e em infra-estruturas físicas dispendiosas
do que em sistemas de informação, serviços integrados, repositórios únicos e
co-produção de valor através das TIC. “Gastou-se” muito dinheiro em tecnologia
mas os efeitos na sociedade (outcomes)
não tiveram o retorno proporcional (value
for money).
Chegámos a uma
situação limite em que a despesa pública não pode jamais crescer
indefinidamente como até aqui e que, pelo contrário, vai ter de se reduzir de
forma drástica. O alargamento da administração indirecta do estado,
nomeadamente através da criação indiscriminada de institutos, agências,
empresas públicas, fundações, ACE, etc, como forma de fugir ao controlo
orçamental, de iludir os bloqueios à admissão de trabalhadores no sector
público e como instrumento de multiplicação dos cargos de gestores públicos tem
de ter um fim imediato.
Também o outsourcing está a ser cada vez mais questionado
pelos custos que envolve, mas será que não vamos ter surpresas num futuro
próximo? Numa conjuntura de fortes restrições financeiras, está-se a assistir a
uma quebra significativa de contratação externa de serviços que se verificava
até aqui (outsourcing parcial), devolvendo aos serviços da administração
pública funções desde há muito entregues a empresas privadas (insourcing total), mesmo sem que se
tivessem entretanto reforçado e consolidado funções de maior soberania (gestão,
planeamento estratégico e arquitectura de sistemas de informação). Esta
tendência irá porventura contribuir para uma demonstração de incompetência
técnica operacional no curto prazo, seguida de uma possível retoma das funções
operacionais, mas também de uma captura das funções de maior soberania do estado
no âmbito dos sistemas e tecnologias da informação (outsourcing total). O risco
de captura dos sistemas e tecnologias da informação (SI/TI) do estado existe e
a situação precisa ser urgentemente equacionada politicamente e gerida ao mais
alto nível.
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