sexta-feira, fevereiro 25, 2011

A questão não é de open source mas de open standards!

Público - Atrasos no controlo das contas públicas por causa de aplicação informática

Este artigo do Público merece um comentário:

Existe um erro de base na gestão das aquisições informáticas no Estado à luz do que é proposto na melhor literatura sobre gestão de outsourcing, nomeadamente em Leslie Willcocks e outros.

Tratando-se de uma aplicação em que existe uma grande quantidade e diversidade na oferta e com baixa especificidade na área de negócio, como é o caso dos ERP e em particular da gestão financeira, recomenda-se para estes casos distribuir a aquisição por vários fornecedores e apostar em vínculos de outsourcing diversificados.

Como venho dizendo e escrevendo há anos, mais do que adoptar soluções únicas que poderão ter poupanças ilusórias no curto prazo, o Estado deve tornar claras para o mercado as especificações e os requisitos de conformidade dos vários produtos que quer comprar, disponibilizando regras e mecanismos de interoperabilidade que permitam diversificar a oferta e proteger o Estado de ser capturado por ofertas monopolistas e irreversíveis para o exercício da soberania.

Numa altura em que se pretende controlar o deficit público e tornar transparente a execução orçamental, é urgente apostar na diversificação de sistemas ERP certificados pelo Estado, que acelerem a recolha universal dos dados e a consolidação em tempo real com os fluxos de tesouraria.

Falar em open source neste contexto não faz o mínimo sentido, pois o actual Presidente do II-MFAP quando chegou à direcção tudo fez para substituir a SAP pela Microsoft e o open source nunca esteve no horizonte deste projecto.

A questão não é de open source mas de open standards!

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Não tenho culpa! O Cartão de Cidadão é meu e o Recenseamento Eleitoral é teu.

Assisti hoje a uma triste figura do Ministro Silva Pereira na defesa do Cartão de Cidadão em relação aos problemas ocorridos nas eleições presidenciais do passado dia 23 de Janeiro. Até agora não me pronunciei sobre os incidentes e preferi apenas propor soluções para o futuro, este é o momento de reflectir sobre os factos recentes à luz dos sistemas de informação do Estado.

Não comento as questões políticas de falta de solidariedade em relação ao colega do Governo na Administração Interna, pois limitar-me-ei a questões técnicas e de cidadania que envolvem uma maior ou menor maturidade no e-Government e no IT Governance do Estado.

Dizer que o Cartão de Cidadão (CC) nada tem a ver com o SIGRE, Sistema de Informação de Gestão do Recenseamento Eleitoral, é um enorme disparate, uma vez que o SIGRE é alimentado pelos CC e as mesas de voto são determinadas pela código postal da morada do CC.

Dizer que a AMA, Agência para a Modernização Administrativa, tutelada pelo Ministro do Estado e da Presidência Silva Pereira, não tem nada a ver com os incidentes eleitorais é outro disparate, pelos seguintes motivos:

  1. A AMA gere o Cartão de Cidadão, enquanto fonte de informação para o SIGRE;
  2. A AMA gere o sistema de SMS 3838 onde entraram muito mais pedidos de informação do que saíram durante todo o dia das eleições, sem que se tivessem antecipado as consequências no SIGRE;
  3. A AMA é (teoricamente) a actual entidade coordenadora dos sistemas e tecnologias da informação (SI/TI) da administração pública e em particular dos sistemas horizontais que tenham a ver com os eventos de vida do Cidadão, como é o caso do acto eleitoral.

Para mim, a questão essencial está exactamente em não se considerar o acto eleitoral como um sistema transversal à Administração Pública e interdependente com a identificação civil do Cartão de Cidadão.

O Ministro do Estado e da Presidência, pelo cargo transversal que ocupa, seria a pessoa que teria mais obrigação de salientar esta visão interdepartamental e orientada às necessidades do cidadão, mas em vez disso preferiu fechar-se no seu casulo departamental, alimentar mais uma vez os silos informacionais e entregar as culpas inteirinhas ao seu colega do Governo e, com isto, partir o sistema de informação eleitoral em duas partes, o qual se pretenderia único, indivisível e orientado às necessidades do cidadão.

Como se não bastassem as culpas politicamente apontadas aos cidadãos, porque estes teriam a obrigação de consultar o SIGRE, o Ministro Silva Pereira devolveu as culpas desta vez a toda a oposição, porque em 2006 e 2008, o Parlamento aprovou por unanimidade a actual Lei do Cartão de Cidadão e a actual Lei do Recenseamento Eleitoral, mas esqueceu-se que o Governo criou com isto expectativas de eliminação do número de eleitor e dos cadernos eleitorais, como consta das actas da Assembleia da República, e não fez o trabalho de casa que lhe competia para prosseguir no processo mais avançado de gestão das eleições a partir da identificação civil e do Cartão de Cidadão.

Colocou-se o Cartão de Eleitor fora do Cartão de Cidadão e esqueceu-se as consequências que daí advinham. Mais uma vez foi a Administração Pública a pensar de forma paroquial e fechada em silos, em vez de pensar sistemicamente em favor do cidadão. Mais uma vez falhou a capacidade de gestão dos SI/TI para além da visão departamental.

Também foi o Cartão de Cidadão que criou os problemas de mudança das mesas de voto, uma vez que estas foram deduzidas do código postal inscrito na morada do CC, tendo colidido muitas vezes com os limites de freguesia, uma vez que o INE e os CTT, apesar de serem entidades inteiramente públicas, continuam a estar de costas viradas e a não partilhar recursos informacionais e de geo-referência, como está acontecer impunemente neste preciso momento com os trabalhos de geo-referenciação para os novos códigos postais nos CTT e para o zonamento do recenseamento da população no INE.

Os cadernos eleitorais foram criados de uma forma tradicional, mas como disse anteriormente, eles poderiam já ter desaparecido e, em sua substituição, ter-se estimado o número de eleitores potenciais por freguesia e abrir o número suficiente de mesas correspondentes à afluência previsível, com base num sistema de zonamento semelhante ao recenseamento do INE.

Os cadernos eleitorais seriam substituídos por um acesso online ao sistema de identificação civil, permitindo igualmente o voto em mobilidade em qualquer mesa da conveniência do eleitor que se encontrasse temporariamente deslocado fora da sua freguesia. Este já seria um grande passo.

No futuro será possível tirar partido do certificado digital do Cartão de Cidadão e admitir o voto a partir de qualquer lugar com acesso à Internet e com isto iniciar um novo ciclo de democracia directa mais barata e circunstanciada no tempo.

domingo, fevereiro 06, 2011

Porque é que o Cartão do Cidadão tem tudo a ver com os incidentes das últimas eleições presidenciais

Agora parece que se quer "sacudir a água do capote" e acantonar o problema apenas ao Ministério da Administração Interna, sacrificando e estigmatizando negativamente apenas os responsáveis mais directos pelas eleições, nomeadamente o STAPE e a CNE. Também não faltou, em vários diagnósticos ao incidente, um tom acusatório à falta de cidadania dos portugueses. Mas o problema é mais vasto e deve envolver todas as entidades relacionadas directa ou indirectamente com a identificação civil de todos os cidadãos e em particular o Cartão do Cidadão (CC).

Já hoje o CC deveria permitir identificar univocamente o eleitor e não percebemos porque não o pode fazer, como acontece com a data de nascimento, o sexo, o estado civil, a morada, etc. Ou mesmo por conferência (automática ou não) dos dados já existentes

O número (administrativo) de eleitor já não deveria ter razão de ser e mesmo o BI actual deveria ser a chave identificadora para fins eleitorais. Os cadernos eleitorais deveriam ser virtuais e servirem apenas para estimar o afluxo às mesas de voto. Deveria iniciar-se um processo do tipo "single sign on" e "one stop shopping" para o acto eleitoral, em que qualquer eleitor poderia ser identificado em qualquer local de voto no país.

A continuação do recenseamento eleitoral nos moldes actuais é um dos maus exemplos da burocracia portuguesa, que decorre da má gestão e falta de normalização dos endereços geográficos. Não se vê razão para a qualidade de eleitor não ser perene a partir dos 18 anos e o planeamento da localização das mesas de voto não decorrer do zonamento do tipo do INE, que deveria passar a ser multifuncional como já acontece para efeitos do IMI. Para quando uma cooperação séria em matéria de endereços, quando ainda estamos a assistir, no início deste ano, a levantamentos redundantes dos endereços, por parte dos CTT e do INE.

Associar o CC à condição de eleitor faz todo o sentido, pois, a partir do olhar de qualquer cidadão, o CC deveria identificá-lo univocamente para todos os eventos de vida.

Só assim se acabaria com os "mortos-vivos" que ainda constam dos cadernos eleitorais, como acontece em múltiplos sistemas administrativos mais ocultos e que, por isso, não dão tanto nas vistas como este.

Por isso o CC tem tudo a ver com as eleições do futuro e o cidadão comum não percebe porque ainda não é assim hoje. Trata-se apenas de criar um repositório único de identificação civil, fiável, multifuncional e acessível de qualquer local. Ainda sem falar em Número Único.

É evidente que deveria haver um plano de contingência para falhas ou sobrecargas de sistema, o que. por incrível que pareça, não acontece ainda na maioria dos sistemas da administração portuguesa.

Quanto ao voto em mobilidade, que parece ainda não estar na agenda política, se a liberdade e a autenticidade deste acto através de certificado digital no CC for questionada, está-se a colocar em risco todos os actos de e-Gov. Não sabemos o que este acto tem de diferente de uma assinatura digital num contrato ou noutro documento que se pretende seguro e fiável (com confidencialidade, autenticidade, integridade e não repúdio).

Não sabemos porque não se pode avançar já nesse sentido.