terça-feira, dezembro 28, 2010

Em vez de se encher, está-se a esvaziar o copo

Desde o início dos anos 90 com o aparecimento da RAFE (Reforma Financeira do Estado) e das suas aplicações SIC e SRH, bem como da unidade de tesouraria, que se teve uma preocupação de controlo universal dos recursos da administração pública.

No início da implementação do POCP / RIGORE a par da criação do SIGRAP (Sistema de Gestão dos Recursos da AP) no âmbito do Sistema de Controlo Interno, aprovado pela Ministra Manuela Ferreira Leite em Janeiro de 2003 , houve um reforço da preocupação no controlo financeiro de todos os subsectores do Estado onde circulavam dinheiros públicos.

No domínio dos recursos humanos, a BDAP, criada no final dos anos 90 a cargo do Instituto de Gestão da Base de Dados dos Recursos Humanos da Administração Pública e mais tarde retomada em 2003 pela DGAP e pelo II/MFAP, foi uma boa tentativa de alargar o conhecimento dos recursos humanos afectos à administração pública central, regional e local e aos serviços e fundos autónomos, ficando de fora apenas o sector público empresarial. Esta iniciativa teve também o mérito de criar normas de interoperabilidade com o SRH e outros ERP em uso no sector público, o que tornou a universalidade dos dados mais fácil e rápida de alcançar. Os últimos dados efectivos deste sistema remontam a 2005.

Com a criação da GERAP em 2007, todo este processo de cobrir a totalidade dos recursos financeiros e humanos foi interrompido e enveredou-se por uma estratégia em sentido inverso, com uma preocupação centrada na implementação de ERP departamentais e pela sua venda avulsa aos organismos. A universalidade e a consequente gestão global dos recursos do Estado deixou de ser uma prioridade, numa altura em que seria mais necessária, devido à passagem acelerada dos organismos da administração directa para a administração indirecta do Estado, de forma deliberada mas também descontrolada.

A própria unidade de tesouraria que foi uma tónica da RAFE nos anos 90 está a ser posta em causa como atesta o relatório do Tribunal de Contas hoje divulgado sobre as contas no Tesouro, que não incluem mais de 5,9% das empresas públicas, desrespeitando o princípio da unidade de tesouraria imposto pela União Eueopeia.

Está-se a olhar para algumas árvores do nosso quintal em vez de se ver a totalidade da floresta do nosso território.

Infelizmente confunde-se autonomia e desorçamentação com descontrolo dos recursos do Estado. É preciso inverter quanto antes este caminho para o abismo!

segunda-feira, dezembro 27, 2010

Mais um disparate para gastar o dinheiro que o país não tem!

Duplicação de registo das coordenadas das portas dos edifícios pelo INE, no Census em Março, e pelos CTT, no projecto do Código Postal 10, a partir de Janeiro, ao que parece sem diálogo produtivo entre estas duas entidades totalmente públicas.
Assim vai este país. Onde está o CIO e quem é que está de facto a governar Portugal? Lembro que o INE está na mesma jurisdição política da AMA, a quem competiria gerir a arquitectura de informação do Estado, e os CTT estão sob tutela do Ministro das Obras Públicas que já vem sendo conhecido por tomar decisões à revelia do resto do Governo.
Para quando o SINERGIC? Assim não admira que falte dinheiro para fazer as coisas importantes e transversais a todo o sector público administrativo e empresarial do Estado.

Os meus caixotes na altura de sair...

Durante a preparação da minha saída para a aposentação e percorrendo uma vida de memórias gravadas em inúmeros documentos em que fui interveniente directo ao longo de quase quatro décadas de modernização administrativa e em particular na utilização das TIC para a transformação da máquina do Estado, senti a necessidade de fazer uma pausa e desabafar aqui alguns dos meus sentimentos.

Reencontrei ideias e projectos trucidados, renomeados ou apropriados por gente sem escrúpulos, em busca de carreira política ou de cargos e honrarias à sombra de quem é capaz de sonhar e que acredita num processo histórico evolutivo e inovador para a Administração Pública.

Vi como fui ingénuo ao pensar que a mudança se podia fazer com pouco dinheiro ao ver muitos dos meus projectos imaginados em rede de forma interdepartamental e voluntarista, serem capturados por políticos sem escrúpulos e pessoas que apenas souberam alimentar silos de poder, redutos de vaidade, despesismo sumptuário e motivações de ética duvidosa.

Ao despedir-me vi como foi importante para mim trabalhar com pessoas realmente motivadas, solidárias e ligadas por cumplicidades assentes em verdadeiros ideais e valores de serviço público e como estas pessoas foram sendo marginalizadas por não se deixarem capturar por partidos políticos ou miopias departamentais. O que restou, no espaço de quem tem ainda algum poder para fazer as coisas, foram pessoas obedientes, amorfas e desprovidas de uma ideia de futuro e liberdade.


As minhas memórias remontam ao Relatório 14 do 3º Plano de Fomento marcelista e aos ideais de mudança sistematicamente interrompidos por “reinventores da roda” e oportunistas de quem a História já se esqueceu ou injustamente alavancou para a notoriedade das diversas ribaltas.

É muito interessante analisar os factos em ciclos temporais mais longos e extrair deles fenómenos recorrentes de comportamento humano.

Os caixotes de documentação histórica que estou a arrumar e que de certeza se encontram dispersos e a mofar em vários arquivos mortos ou bibliotecas moribundas, precisavam de uma nova e mais atenta leitura e não merecem ser enviados para a lixeira. Não se trata de saudosismo, mas de uma responsabilidade social para as novas gerações do meu país, já que as gerações actuais que estão no poder foram ou estão a ser responsáveis pelo maior desvario de toda a História da Administração Pública portuguesa.

Estou quase a ir para casa e que me desculpem os meus alunos por não estar a ser pontual na avaliação de trabalhos e frequências das cadeiras do trimestre, mas tenho necessidade de salvaguardar alguma memória para uma aposentação que desejo o mais possível activa e socialmente responsável para com o futuro do meu país.


Talvez valha a pena entrar num projecto de investigação capaz de aproveitar esta memória que vai sendo esquecida, assim eu venha a encontrar o patrono científico adequado.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Vamo-nos encontrando por aí...

A partir de 1 de Janeiro de 2011 ficarei aposentado, após quase 39 anos de serviço público. Saio bastante decepcionado e sem ver concretizados alguns dos meus sonhos de mudança e de melhoria da administração pública.
Vivi sempre de acordo com as minhas convicções, sem fazer concessões a benesses ou vantagens pessoais.
Fui e serei sempre uma pessoa livre, sonhadora e incapaz de prescindir dos seus direitos de cidadania activa. Nunca me fingi de morto e nunca perdoei a cobardia, a corrupção, a hipocrisia e a mediocridade à minha volta.
Saio de consciência tranquila de que tudo fiz para melhorar o serviço público, apesar de me terem sido destruídos projectos e estratégias de inovação frequentemente interrompidas pelos vários ciclos políticos ao longo de 25 Governos.
Vamo-nos encontrando por aí nas associações cívicas a que estou ligado, nas redes sociais ou em qualquer outro espaço de liberdade e cidadania.
Desejo a todos um Bom Natal e um Ano Novo cheio de saúde e felicidade.
Um abraço amigo a todos
Luís Vidigal

vidigal.luis@gmail.com

sexta-feira, dezembro 10, 2010

Uma grande notícia! Normas Abertas na AP!

A Assembleia da República aprovou ontem, 9 de Dezembro de 2010, a adopção de Normas Abertas de Software na Administração Pública portuguesa!

Projecto de Lei 421/XI (PCP) - Estabelece a adopção de normas abertas nos Sistemas Informáticos do Estado.

Projecto de Lei 389/XI (BE) - Utilização de formatos electrónicos livres na administração pública

Trata-se de uma velha luta minha e de uma vasta comunidade de profissionais e cidadãos livres. Não deverá ser apenas uma questão de utilização de formatos Office como o ODF, mas da adopção de normas abertas no âmbito dos SCM (gestão documental, workflow, etc.), dos ERP e dos CRM. Não se deverá apenas garantir interoperabilidade nas áreas instrumentais, mas principalmente nas áreas fim do Estado tendentes à desmaterialização e fluidez dos processos básicos orientados aos eventos de vida dos cidadãos e das empresas.

A propósito do paradoxo da Defesa da Propriedade do Software, eu escrevia em Novembro de 2006 o seguinte:
"A questão da propriedade no mundo da informática não se pode colocar numa luta de polícias e ladrões nem tão pouco numa simples querela partidária de esquerda e direita, como alguns a querem colocar, como se se tratasse de obras de arte, casas, carros, jóias, etc.
Do domínio da informática, a luta sobre as escolhas e a utilização do software do lado dos consumidores foi sempre uma luta contra o chamado “software proprietário”, em favor da abertura do código e para o cumprimento de normas abertas e partilhadas.
A história de todos os grandes impérios de fornecedores informáticos que a seu tempo se desmoronaram, tiveram a ver quase sempre com o seu “fechamento” e a sua recusa em entrar no mundo da partilha, da interoperabilidade e do cumprimento das normas co-optadas. Só sobreviveram os que souberam fazer uma leitura, ao mesmo tempo realista e ética, da evolução tecnológica e das condições de sobrevivência a longo prazo neste sector de actividade.
A própria Internet nasceu e cresceu nessa luta e criou o maior império da história das TIC, baseado em comunidades abertas de partilha de conhecimento e na abertura e na normalização do seu código (HTML, XML, etc.) e dos seus requisitos de interoperabilidade (TCP/IP, etc.), de que todos hoje beneficiamos, quer sejam fornecedores quer sejam consumidores.
Hoje existem dois modelos de negócio: Um baseado na criação de ganhos, de curto prazo, através da Propriedade e outro baseado na criação de valor, a longo prazo, através da Inovação e do Conhecimento.
Cabe também aos Estados decidirem qual a política a seguir e se pretendem que o seu país seja um mero país de consumidores e parametrizadores de software, excluídos das verdadeiras sedes do conhecimento, ou um país de produtores de valor acrescentado através da partilha de conhecimento e o desenvolvimento de competências para a inovação."

No mês passado eu escrevia a propósito da "Pegada Política":
"Há muito que sabemos que precisamos de mais cooperação, mais reutilização, mais interoperabilidade, mais serviço público, mais orientação para o cidadão, etc. Não precisamos de mais tecnologia enquanto não estivermos dispostos a mudar de atitudes e comportamentos."

Há três meses eu escrevia, no âmbito de uma proposta de Revolução Digital na Administração Pública portuguesa, o seguinte:
"Não se trata de continuar a gastar mais dinheiro do que até aqui em infra-estruturas TIC, pois as que existem são suficientes para a revolução que venho preconizando há mais de dez anos. Trata-se de fazer apenas um pequeno investimento muito mais inteligente e rentável, capaz de permitir a desmaterialização e a interoperabilidade dos processos."

Nas 36 medidas para reduzir a despesa pública através da melhor gestão e utilização das TIC, que eu propuz em Maio deste ano eu propuz o seguinte:
"Criar uma arquitectura de informação e uma semântica comum a todo o sector público, normalizando conceitos e formatos capazes de garantir a interoperabilidade e a fluidez dos processos orientados aos vários eventos do ciclo de vida dos cidadãos e agentes económicos."
"Generalização do uso de tecnologias open source e adopção de open standards."

A propósito da Gestão da Informação na AP eu escrevia há uma ano atrás:
"É urgente estimular a mudança de paradigma de uma Administração Pública passiva e reactiva, estritamente baseada na recolha departamentalizada de informação suportada em formulários ad hoc, para uma Administração Pública proactiva e que seja capaz de controlar e partilhar as diversas fontes de informação através da integração e interoperabilidade dentro do mesmo sistema Estado e nas suas diversas relações com a sociedade, mediante a criação de uma arquitectura de informação interdepartamental co-optada entre os vários sectores."

Em Julho do ano passado eu escrevia a propósito dos ERP do Estado:
"Integração, interoperabilidade e independência dos processos e dados
Com a progressiva desmaterialização dos processos e dos dados que os suportam, verifica-se uma dependência cada vez mais acentuada em relação às tecnologias da informação, acabando mesmo estas por se confundirem com o negócio, com riscos bastante elevados de continuidade e sustentabilidade de serviços.
Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de salvaguardar os processos e os dados, que constituem os verdadeiros activos das organizações.
O Estado têm necessidade de salvaguardar os seus activos e deve proteger-se contra à excessiva dependência em relação a fornecedores externos de tecnologia. Por isso deverá ter-se consciência das componentes que envolvem os mais elevados níveis de soberania e risco operacional (Processos e Dados) e o que pode ser subcontratado externamente e substituído quando for necessário (Tecnologia).
As boas práticas de gestão de sistemas e tecnologias exigiriam salvaguardas que nos permitissem livremente mudar de tecnologia em qualquer momento, protegendo a soberania sobre os activos informacionais (Processos e Dados), através da segregação adequada das camadas semânticas e tecnológicas.
É preciso saber comprar e ter liberdade de escolha
Quem não sabe o que quer, começa por comprar a Tecnologia como se fosse uma panaceia milagrosa e deixa-se capturar pelo fornecedor, que faz tudo para impedir a liberdade de escolha e “fidelizar” o cliente. A história das TIC estão cheias de lutas entre a abertura desejada pelos clientes e o fechamento proprietário imposto pelos fornecedores. Este ciclo vicioso só é quebrado se o cliente conseguir proteger os seus processos e dados, tornando-os agnósticos em relação à tecnologia (utilização de XML, BPML, SOA, etc).
Tudos os activos de uma organização (processos e dados) que entram num produto tecnológico devem poder sair em qualquer momento e ser reaproveitados futuramente numa nova infraestrutura tecnológica. Esta deve ser não apenas uma opção tecnológica, mas uma atitude de gestão que deve presidir a todas as escolhas, muito especialmente quando se trata de aplicações em larga escala para o Estado."

Sem querer confundir normas abertas com software livre, não deixei nunca de manifestar publicamente a minha opção, nomeadamente na entrevista que dei em Maio de 2006:
"Defendo o uso de software livre na administração pública, por razões que ultrapassam as poupanças financeiras. Trata-se de uma oportunidade para que Portugal passe a ser um parceiro activo na produção de software e deixe de ser um mero consumidor passivo de produtos importados, cujo valor começa a deixar de corresponder ao preço que somos obrigados a pagar. Trata-se também de uma oportunidade para trabalhar em redes e comunidades de prática, que muitos países já reconheceram como instrumentos preciosos de modernização administrativa. Por último, a soberania do Estado e os direitos de cidadania exigem cada vez mais transparência no código que está na base dos sistemas de informação que cada vez mais invadem o nosso quotidiano.
Constato que ainda se fez muito pouco no sentido da adopção do software livre na AP e que ainda existe muita hipocrisia quando se aborda este tema do ponto de vista estratégico. Tirando alguns casos mais arrojados como o Ministério da Justiça, ainda existe uma discriminação negativa em relação à adopção do software livre pela generalidade dos serviços públicos e tem-se desperdiçado muito do esforço universitário para a aquisição de competências adequadas ao seu desenvolvimento sustentado em Portugal."

Recordo aqui também o estudo que está em curso na APDSI sobre o tema "Open Standards na Sociedade da Informação":
"Uma das características definidoras da Sociedade da Informação é o facto de ser uma sociedade em rede, uma sociedade na qual a partilha de informação e a construção colaborativa de conhecimento constituem a base das suas dinâmicas estruturantes.
Neste contexto, o desenvolvimento e adopção generalizada de standards abertos constitui, mais do que uma necessidade pragmática de construção extensiva de um ambiente plug & play, um imperativo de sustentabilidade e desenvolvimento em rede.
A APDSI, através desta iniciativa, pretende conduzir uma reflexão sobre o “estado da arte” neste domínio, identificar bloqueios e estímulos, bem como avaliar os contributos potenciais da Sociedade Civil para a dinamização do desenvolvimento e defesa das normas abertas como património comum de dimensão civilizacional."